A noção de Tempo não passa de uma convenção lógica criada pelo homem para organizar os eventos da sua existência. Por isso, guarda uma série de paradoxos, assim como os sistemas lógicos matemáticos, mostrando seus limites e insuficiências. O filme australiano “O Predestinado” (Predestination, 2014) trata de um desses paradoxos: o paradoxo da predestinação – passado, presente e futuro não se sucedem mas coexistem e se interagem, condenando-nos à condição de prisioneiros em espécies de armadilhas temporais. Ciclos viciosos cuja única fuga é através da condição existencial de estranhamento, alienação e investigação paranoica. A condição de sermos como Detetives e Estrangeiros para escaparmos dessas armadilhas. Assim como certa vez o matemático Alfred Tarski resolveu o célebre Paradoxo do Mentiroso de Epiménides. Filme sugerido pelo nosso leitor Felipe Resende.
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Wilson Roberto Vieira Ferreira, cinegnose -
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Uma das coisas fascinantes dentro da Filosofia é demonstrar os limites
da lógica com seus paradoxos e incompletudes como, por exemplo o Teorema da
Gödel que demonstra as limitações inerentes a todo sistema matemático. Ou o
famoso Paradoxo do Mentiroso de Epiménides onde uma afirmação produz sua
própria negação, produzindo um raciocínio circular, recursivo e sem solução.
“Todo cretense (natural de Creta) é mentiroso”, disse o cretense Epiménides. Mas se
a frase for verdadeira, o filósofo estaria nos contando uma mentira. Mas se for
mentira, a frase é verdadeira. Mas não pode ser, pois todo cretense é
mentiroso, e assim por diante num ciclo vicioso sem solução.
O Tempo também é uma forma lógica de organizar nossa existência e que, portanto, também guarda paradoxos como, por exemplo, a relatividade tempo/espaço de Einstein ou o “paradoxo da predestinação” de que trata o filme O Predestinado.
O Tempo também é uma forma lógica de organizar nossa existência e que, portanto, também guarda paradoxos como, por exemplo, a relatividade tempo/espaço de Einstein ou o “paradoxo da predestinação” de que trata o filme O Predestinado.
O paradoxo temporal da predestinação sempre foi a própria essência dos filmes sobre o tempo do período modernista do cinema e séries de TV como O Túnel do Tempo ( Time Tunnel, 1966-67) onde os protagonistas Doug e Tony vagavam perdidos na História, tentavam evitar tragédias mas a inevitabilidade da flecha do tempo sempre conspirava contra eles e as coisas acabavam acontecendo tal como foram descritas nos livros de História. Alterar eventos históricos poderia criar paradoxos catastróficos que, inclusive, poderia fazer desaparecer os próprios sujeitos das alterações.
O Tempo Pós-Moderno
Mas O Predestinado é um filme
pós-moderno e, como tal, vê o tempo dentro de uma perspectiva mais flexível
onde os paradoxos podem ser confrontados e, assim, os protagonistas sempre
podem criar novos passados ou futuros como nos filmes da trilogia De Volta para o Futuro, Primer (filme analisado pelo Cinegnose - clique aqui), Time After
Time, Looper etc.
O Predestinado nos mostra a luta de um protagonista que tenta enfrentar
esse paradoxo onde ele próprio figura o problema e a solução da seguinte forma:
“Quem nasceu primeiro, o ovo ou a galinha? O Galo!”.
Como o leitor perceberá, o filme resolve o paradoxo de maneira análoga à célebre solução ao paradoxo do mentiroso dada pelo lógico e matemático polonês Alfred Tarski: a frase do cretense mentiroso implica num nível metalinguístico, nível superior na hierarquia semântica onde conseguimos distinguir afirmações do cretense e sobre cretenses. Ou de “ovo”e “galinha” e sobre galos.
Seguindo a tradição dos filmes gnósticos, a solução somente poderá ser encontrada no interior do próprio protagonista quando perceberá que o paradoxo não é produzido por alguma entidade estranha chamada Tempo, mas por uma própria luta interior que parece sempre mantê-lo prisioneiro em um tipo de armadilha temporal.
O Filme
O Predestinado é um daqueles filmes difíceis de fazer uma resenha: qualquer coisa que possa ser dita corre o risco de transformar-se num gigantesco spoiler e prejudicar a experiência da narrativa. Mas vamos ficar nos aspectos mais externos.
O filme acompanha um “agente temporal” de uma espécie de agência governamental secreta no futuro (nos anos 1990) formada por um grupo de elite de pessoas que viajam através do Tempo a fim de prevenir crimes horríveis antes que eles ocorram.
O filme começa quando vemos um desses agentes tentando desarmar uma bomba de um terrorista chamado “O Detonador Sussurrante” que explodirá quarteirões de Nova York em março de 1975. Ele não consegue e retorna para o futuro com o rosto desfigurado pela explosão. Na sede da agência é feita uma cirurgia plástica para recuperar seu rosto, quando finalmente vemos o rosto do protagonista feito por Ethan Hawke.
Lá ele (na verdade "ela") cresce com o nome de Jane. Desde o início ela demonstra qualidades que a destacam das outras meninas: inteligência, determinação e força física. O que desperta interesse do enigmático Mr. Robertson (Noah Taylor), agente de uma agência governamental chamada SpaceCorp, agência dos anos 1960 supostamente destinada para formar mulheres que no futuro farão missões de resgate e socorro a astronautas no espaço.
Detetives e Estrangeiros - atenção: perigo de spoilers
A condição existencial do Estrangeiro é aquela que permite o distanciamento da própria vida pelo estado alterado da consciência criado pela melancolia que produz a sensação de estranhamento – a condição única de vermos a vida em perspectiva como num olhar de sobrevoo.
Vídeo:
Ficha Técnica |
Título: O
Predestinado
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Diretor: Michael e Peter Spierig
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Roteiro: Irmãos Spierig baseado no conto
de Robert Heinlein
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Elenco: Ethan Hawke, Sarah Snook, Noah
Taylor
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Produção: Screen Australia, Blacklab entertainment
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Distribuição:
Stage 6 Films
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Ano: 2014
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País: Austrália
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