Via Jornal GGN -
As críticas da opressão ao
proletariado, da burocratização do Estado e da falta de garantias a
direitos trabalhistas e sociais não envolvem apenas o protagonista
Daniel Blake, um carpinteiro que, afastado do emprego por um AVC e grave
condição de saúde, deve voltar a buscar trabalho. Para Paulo Moreira
Leite, é um aviso do que ocorrerá no Brasil com a gestão Temer.
A crítica se estende para personagens como Katie, uma mãe solteira e
Ann, uma terceirizada agente do governo. Descasos de direitos sociais e
a burocracia estatal naturalmente mostrados no filme britânico "Eu,
Daniel Blake" garantiram ao longa a Palma de Ouro no último festival de
Cannes. A estreia no Brasil ocorreu na última quinta-feira (05).
"A obra apresenta um retrato sem enfeites do colapso do Estado de
bem-estar social na Inglaterra, país que, entre outros benefícios
sociais, construiu um sistema público de saúde gratuito e universal,
ponto de partida para diversos países, inclusive o nosso SUS",
manifestou o jornalista.
Para ele, o filme tem um papel muito maior com a estreia no país,
revelando o que será o Brasil em um curto futuro. "Do ponto de vista dos
200 milhões de brasileiros, Eu, Daniel Blake ganha uma importância
especial pela conjuntura política, de guerra aberta do governo Temer e
da equipe de Henrique Meirelles contra a CLT e programas sociais como
Bolsa Família, Previdência Social e Minha Casa Minha Vida", analisa.
Se há vários motivos para aplaudir o filme "Eu, Daniel Blake," de
Ken Loach, Palma de Ouro do Festival de Cannes, um dos mais importantes
do mundo, é fácil reconhecer a razão principal.
Centrado na luta de um carpinteiro para proteger seus direitos, a
obra apresenta um retrato sem enfeites do colapso do Estado de bem-estar
social na Inglaterra, país que, entre outros benefícios sociais,
construiu um sistema público de saúde gratuito e universal, ponto de
partida para diversos países, inclusive o nosso SUS.
Do ponto de vista dos 200 milhões de brasileiros, Eu, Daniel Blake
ganha uma importância especial pela conjuntura política, de guerra
aberta do governo Temer e da equipe de Henrique Meirelles contra a CLT e
programas sociais como Bolsa Família, Previdência Social e Minha Casa
Minha Vida. Neste momento, Loach mostra o destino de um dos países mais
ricos do planeta, antiga potência imperial, que se encontra numa etapa
posterior do processo que leva ao Estado Mínimo.
"Eu, Daniel Blake" registra numa cena a condição de cidadãos britânicos que passam fome.
A tradução para a realidade brasileira exige adaptações
importantes, como uma renda per capta menor, um patrimônio acumulado
também menor -- apesar do crescimento dos últimos anos. Considerando que
os seres humanos tem necessidades básicas semelhantes em qualquer
latitude, pode-se imaginar o tamanho da tragédia em curso.
O mundo que se vê na tela retrata uma classe trabalhadora capaz de
gestos individuais de solidariedade mas vencida em derrotas sociais
imensas, onde homens e mulheres são obrigados a lutar de forma
individual por seus direitos e improvisar caminhos no limite da
ilegalidade para reforçar a dispensa. Num momento divertido, retrata-se
um cidadão que engorda os ganhos pelos labirintos da globalização,
fazendo contrabando de tênis produzidos na China.
No mundo pós-moderno de Eu, Daniel Blake, as ações coletivas sequer
são cogitadas. A existência de sindicatos, que já foram uma glória do
movimento operário, nem é mencionada. Ao longo do filme, o protagonista
está mergulhado numa realidade que os brasileiros conhecem muito bem: no
combate por direitos estabelecidos junto aos serviços de telemarketing,
enfrentando um exasperante labirinto de recomendações e explicações que
nada resolvem. São apenas uma forma cínica encontrada pelos governantes
para adiar a entrega de um direito que as duas partes sabem que é
liquido e certo -- mas dificilmente será reconhecido.
Nas cenas finais, o filme mostra o que vem depois. Após perder os
direitos como trabalhador, o protagonista também é destituído de
direitos como cidadão e acaba sendo tratado como criminoso comum quando
tenta de realizar um protesto por conta própria.
Com preciosas lições para a atualidade, Eu, Daniel Blake tem uma
omissão do ponto de vista histórico. Você vai para casa perguntando como
tudo aquilo pode acontecer.
Em vários momentos, o filme faz referências esparsas ao governo
responsável pela tragédia social do país, o Partido Conservador. Está
correto. Nos 18 anos em que permaneceram no poder, onze deles com
Margaret Thatcher como primeira-ministra, os conservadores fizeram um
trabalho meticuloso e profundo para destruir o Estado de Bem-Estar
Social. O problema é que, a seguir, o Partido Trabalhista ocupou o
governo por treze anos. Em dez deles, Tony Blair foi o primeiro ministro
e, contrariando as expectativas da maioria dos britânicos, nada fez
para reverter a herança recebida. Em 2010, o Labour sofreu uma nova
derrota nas urnas e até agora não se recuperou.
Cabia ao Labour, pelo seu lugar na história do país, o papel de
resistir aos ataques contra os direitos da maioria. A recusa em assumir
este lugar também ajudou a criar um mundo no qual a questão social virou
caso de polícia -- e este também é um debate que interessa aos
brasileiros de 2017. Sem resistência, seus direitos também vão se
transformar em poeira.
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