“Doria deixa os pichadores mais instigados para o vandalismo”, diz grafiteiro preso

Mauro Neri
por Pedro Zambarda de Araujo, DCM -
 
O grafiteiro Mauro Neri foi preso no dia 27 de janeiro. Na detenção que durou algumas horas, ele tentou apagar a tinta cinza passada pela prefeitura de João Doria Jr. sobre um grafite de sua autoria numa pilastra do Complexo Viário João Jorge Saad (Cebolinha).

Neri tentou escrever novas frases num local que tinha sido previamente autorizado pela gestão Fernando Haddad para grafite e foi enquadrado no mesmo crime de um pichador qualquer. Ele não estava pichando o local.

O desenho apagado era parte do projeto Cartografitti, da Secretaria Municipal de Cultura, que foi aprovado pelo edital Arte na Cidade. Neri coordenou o projeto e fez parte oficialmente da iniciativa de intervenções artísticas em 21 pontos da capital paulistana.

Desde o começo da gestão Doria, em 1º de janeiro, 41 pichadores foram detidos. As delegacias afirmam que é pelo menos uma ocorrência por madrugada. A multa originalmente prevista para o delito era de R$ 1 mil. João Doria Jr. aumentou para R$ 10 mil no caso de reincidentes e pode endurecer ainda mais o processo.

A Polícia Civil tem recebido os supostos pichadores por uma ordem que veio direto do novo prefeito e de seu aliado, o governador Geraldo Alckmin. No dia 23 de janeiro, a Secretaria Estadual da Segurança Pública solicitou que o Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic), grupo da Polícia Civil, identifique pichadores de rua que atuam em São Paulo.

Doria, no entanto, não sabe diferenciar picho e grafite. Agora o prefeito promete montar um Museu Arte de Rua. Sonda grafiteiros para o seu próprio grafitódromo.

Até o momento, nenhum artista se manifestou favorável ao projeto.
O grafiteiro Mauro Neri, que nasceu no Grajaú e é responsável pelo desenho “Veracidade”, conversou com o DCM no evento de tecnologia Campus Party, onde ele palestrou, sobre o clima de perseguição aos artistas de rua, as delações e a discussão na mídia sobre o caso.

DCM: O que aconteceu na sua detenção? O que se pode entender é que você foi preso sem estar pichando, certo?

Mauro Neri: Aquele era um local que já tinha um grafite meu. Há muitos anos eu desenho pela cidade, especialmente ali na região do Ibirapuera. Sempre pintei ali, inclusive sem autorização. De uns anos para cá, junto com a prefeitura e envolvendo até projetos patrocinados desde 2010, eu vinha fazendo um trabalho diferente. No começo foi pelo projeto Cartografitti e depois pelo projeto Grafite na 23 de Maio.

Mesmo na gestão Haddad, os desenhos eram constantemente apagados porque este tipo de política é recorrente. No entanto, da maneira que Doria fez desta vez nos deixou bem preocupados. Nada foi avisado. O apagamento aconteceu de uma forma bem autoritária. Então eu resolvei manifestar a minha…

DCM: Indignação?

MN: Sim. Manifestei minha indignação. E fiz isso usando água e um esfregão para remover parte do cinza que o Doria usou para cobrir a minha arte. Por isso naquela ocasião fui detido pela polícia. Me levaram para a delegacia de crimes ambientais e abriram o processo ali.

A gente sabe que o grafite é efêmero, mas o que aconteceu com esta gestão da prefeitura foi uma demonstração de falta de compreensão e de diálogo com um movimento que já conversava com o governo Haddad. No entanto, diferente de outras vezes, eu finalmente tive a cobertura da mídia e de advogados. Mas desta vez a polícia colocou o Deic para procurar grafiteiros e pichadores.

Preocupa bastante essa perseguição e a delação que desenvolve uma criminalização. A princípio isso só deveria afetar a pichação, mas cai também para o grafite.

DCM: Você acha que o prefeito João Doria sabe a diferença entre grafite e pichação?

MN: Para ele não faz diferença e pra sociedade também não tem a clareza do que é uma coisa ou outra. Este é um assunto que precisa ser discutido.  Por sorte, estamos com esta repercussão na imprensa que é importante para levantar a discussão e explicitar a importância de ocupação do espaço público e urbano.

Foi muito forte o que aconteceu. Tive a oportunidade, graças ao vereador Eduardo Suplicy, de comparecer na Câmara e foi interessante aparecer lá justamente quando surge um projeto de lei visando endurecer ainda mais as penas para pichadores.

DCM: A ideia do Doria é dobrar a multa? Qual é o valor dela?

MN: Nossa… o projeto na verdade é para quintuplicar seu valor. Era de R$ 1 mil, aproximadamente, pois correspondia a cerca de um salário mínimo. Hoje eles pensam entre R$ 5 mil até R$ 50 mil, com previsão de um ano de detenção.
A coisa tá ficando séria e queremos expor para que a sociedade tome partido do que está acontecendo. A gente pode proteger e conservar sem fazer apologia ao desrespeito ou ao vandalismo. Queremos que esta cultura do grafite, que é tradicional em qualquer grande centro urbano no mundo, possa ter espaço e voz. Essa voz agora está sendo calada.

DCM: Foram 41 prisões no primeiro mês de Doria, praticamente uma por dia, de madrugada segundo a polícia. Doria quer criminalizar grafiteiros por supostas pichações como a mídia criminalizou os black blocs?

MN: É bem complicado mesmo. A polêmica do picho está sendo usada para perseguir grupos de artistas de rua.

DCM: Você se sente perseguido como grafiteiro, Mauro?

MN: Sim, eu me sinto. Por mais que se diga insistentemente que não é nada contra os grafiteiros e apenas contra os pichadores, isso não me convence. Eu estava fazendo um trabalho de mural, sempre desenvolvi isso e continuei sendo detido agora.

É uma perseguição que no caso do pichador que se arrisca e rabisca bastante já está acostumado. Ele já sabe da violência e da perseguição. Isso não é novo para os pichadores, porque eles sabem dessa criminalização. A repressão inibe a arte, o que afeta até quem não faz pichação.

Quem tem medo vai continuar com medo da polícia e quem encara, vai continuar fazendo o que faz. A política do Doria deixa o pichador mais instigado a fazer seu vandalismo. Se a gente quer mudar isso, é através do diálogo para valorização do espaço público.

O embate violento, a marginalização e a perseguição só fortalecem o marginal. Tem que ir nas escolas falar de grafite, de pichação e de expressão nas ruas, na formação da opinião.

É na escola que o pichador começa, rabiscando a carteira.

DCM: Ele precisa direcionar sua atenção na escola?

MN: Exatamente. É nos muros das cidades e nos prédios que aquele jovem exerce seu pertencimento social, pichando. A partir da educação você pode dialogar e mudar isso, sem mensagens agressivas e respeitando para ser respeitado. Conversar para chegar num consenso.

DCM: Os grafiteiros estão com medo? E a mídia? Conversa com vocês?

MN: Acho que estão. E a imprensa precisa conversar com o que não conhece. Há espaço na mídia, com outros colegas comentando, mas ainda estamos falando com nós mesmos, fechados nos nossos guetos.

A situação nos incentiva a falar mais, uma vez que a pichação, com a repressão, não parou de aumentar. Ao se sentir perseguido, o grafiteiro que fazia a sua arte com mais calma agora faz mais rápido e com mensagens mais diretas. Isso tudo acontece pelo medo da prisão.

Murais que foram grafitados com calma agora serão espaço para pichações. Há muito mais adrenalina nisso, mas a manifestação nunca deixará de existir. É a voz da rua falando.
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