Ruth Borges, Revista Bula -
Acabou. O amor atravessou a rua para comprar cigarros e nunca mais
voltou. Algumas histórias desacontecem assim: alguém sai desavisado do
nosso peito, nos deixando com o queixo caído, amparado nas mãos.
Esquece, não era amor. O amor mesmo não volta, porque quando é
verdadeiro, ele nunca vai — pelo menos não tenho notícias do amor que
resolveu partir com o coração do outro sangrando nas mãos. Foi mesmo um
furto! E de todos os crimes que humanamente cometemos, os inafiançáveis
são os cometidos contra o amor.
Final, conclusão, término, encerramento — claro que acabou, mesmo que
a gente não perceba isso de cara. A real é essa, é ponto. Somos nós,
muitas vezes, que não permitimos deixar passar, não queremos despedir da
história que construímos internamente. Mesmo sendo doloroso, há algo
que sustenta o sentimento nesse inalterado lugar teimoso. É a
necessidade de sentir, ainda que seja dor, pois é ela que mantém o outro
vivo dentro da gente. É o medo da morte dos sentidos que nos faz
insistir em abrigar amores mesquinhos no peito. Mas a verdade é que não
há morte de coisa alguma quando estamos dispostos a atravessar em
direção ao outro lado desconhecido.
A mesma estrada que encerra, representa a possibilidade de outra
começar. Quando se perde alguém, o caminho a progredir talvez seja o de
se encontrar, porque ainda assim cambaleando, baleados, feridos e mal
pagos, a dor nos coloca mais perto de nós mesmos. Todavia, seguir em
pranto ainda parece uma razoável opção, já que nem todas as lágrimas são
ruins. São restos de nós mesmos nos avisando para onde não devemos mais
voltar. Carecemos descobrir como a vida é sem aquele que por escolha
resolve partir. Isso significa nos acolhermos nas nossas outras inúmeras
paixões que sustentam o viver. O que há com a outra parte da sua vida?
Ela ainda persiste.
Talvez seja hora de vestirmos a melhor parte que temos, sair mundo
adentro, convidar a dor e a solidão pra dançar. Há um universo de
corações honestos esperando a possibilidade de encontrar alguém como
você, como eu. E antes de tentar mais uma vez, guardemos a nós o
compromisso de nos amarmos seriamente. Sigamos comprometidos com alguma
alegria e realização dentro do universo de possibilidades que existem
fora de um quarto frio e escuro. Assim é bem provável que mais adiante
nos sentiremos imperdíveis pelo que somos capazes de construir a partir
do caos. Então, antes que anoiteça, seja um pouco feliz hoje. Porque
qualquer felicidade é melhor do que sofrer por alguém que não se pode
ter, por um amor que não há.
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