Por Euler de França Belém, Revista Bula -
Na manhã de sexta-feira, 28 de março de 1941, um dia
claro, luminoso e frio, Virginia foi como de costume ao seu estúdio no
jardim. Lá, escreveu duas cartas e atravessou os prados até o rio.
Deixando a bengala na margem, ela esforçou-se para pôr uma grande pedra
no bolso do casaco. Depois encaminhou-se para a morte
Em 28 de março de 2016 completou 75
anos que a escritora inglesa Virginia Woolf se matou. Virginia, que hoje
tende a ser comparada (desfavoravelmente) a James Joyce, que ela
considerava (invejosamente) um operário autodidata, morreu aos 59 anos,
jogando-se no Rio Ouse, em 1941.
A obra de Virginia permanece gerando polêmica. Para alguns, ainda é
inovadora. Para outros, teria envelhecido. A revolução de Virginia
estaria obscurecida pela revolução de Joyce. Talvez o mais justo seja
não comparar os dois autores, percebendo, antes, que há diferenças,
apesar de estarem próximos (literalmente), entre eles.
Sobre sua vida, é possível saber alguma ou muita coisa,
principalmente depois da sensível e abrangente biografia de Quentin
Bell. Infelizmente, a autobiografia de Leonard Woolf ainda não foi
traduzida para o português. Leonard foi a pessoa que mais entendeu
Virginia. É provável que ela tenha escrito a maioria de suas obras
porque teve o apoio firme do marido e amigo. Leonard sacrificou-se pelo
talento de Virginia. Trata-se do sacrifício do menor talento pela
afirmação do maior talento. O casamento sequer lhe proporcionou prazer
sexual.
“Virginia Woolf — Uma Biografia” (1882-1941), do escritor Quentin
Bell, sobrinho de Virginia e filho de Vanessa e Clive Bell, é um livro
belíssimo e traz fotografias excelentes. O meu texto é uma pálida
síntese da esplêndida obra de Quentin Bell — publicada no Brasil pela
Editora Guanabara, com tradução de Lya Luft. O único senão é a revisão,
catastrófica, como de hábito no “nosso” doce Bananão.
Para sorte dos leitores, a biografia, embora esgotada, pode ser
encontrada em sebos. Um detalhe relevante para os preguiçosos leitores
brasileiros, filhos diletos da televisão: a biografia tem 614 páginas. É
um cartapácio. Um detalhe convidativo: o texto de Quentin Bell é
agradável e não tem ranços acadêmicos.
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Virginia Woolf e Leslie Stephen |
Como disse, meu texto é uma pálida síntese do livro de Quentin Bell.
Há histórias interessantíssimas sobre Virginia, que tinha o apelido de
“Cabrita” , mas, se fosse contar todas, precisaria de mil páginas e o
leitor não leria o livro. Registrarei mais o “crescimento” efetivo e
literário de Virginia.
Os familiares de Virginia, por parte de pai, eram todos escritores.
Eram da alta classe média inglesa. Virginia Stephen nasceu no dia 25 de
janeiro de 1882. Só aprendeu a falar depois dos 3 anos. Aos 6 anos,
falava bem e contava estórias deliciosas. Era uma espécie de Hemingway
de saias. Mas nada sacava de aritmética.
Ainda jovenzinha, foi bolinada pelo meio-irmão George. Pode ter sido a
causa de sua permanente frigidez sexual. Antes dos 13 anos, depois de
várias leituras, buscando sem conseguir um estilo próprio, começou a
copiar Nathaniel Hawthorne. Aos 16 anos, apaixona-se por uma mulher,
Madge. Nada de sexo. Puro amor. Afeto. Paixão adolescente.
Virginia era uma leitora compulsiva. Queria compensar, em tempo
recorde, o fato de não ter educação formal, universitária. Os irmãos
Thoby e Adrian estudaram em Cambridge. Ela não pôde estudar lá. Ficou
ressentida a vida inteira. A saída foi ler bastante, aprender sozinha ou
com o pai, Leslie Stephen, um homem sábio mas de personalidade frágil e
difícil.
Depois da morte do pai, em 1904, Virginia tenta se matar, pulando de
uma janela, mas não consegue. A janela era baixa e ela se machucou muito
pouco. Mas a alma estava profundamente ferida. A garota estava tão
maluca que ouvia os pássaros cantando em grego. E já estava apaixonada
por outra mulher — Violet Dickinson. De novo, nada de sexo. É o que diz o
informadíssimo Quentin Bell. Seu sobrinho, vale ressaltar.
Entretanto, apesar de parente, Quentin aparentemente não esconde
fatos, o que pode ser comprovado lendo outras biografias de Virginia. O
autor é franco e claro, embora Lya Luft, a tradutora, procure termos
mais suaves para falar do “lado” lésbico de Virginia e do
homossexualismo dos amigos da escritora.
Safismo e sodomita são palavras
que estão registradas nos dicionários brasileiros, mas não no
vocabulário do nosso leitor médio. No lugar de sodomita, para ficar mais
claro, a tradutora poderia ter ousado e escrito “viado” (com i) ou,
pelo menos, “homossexual”. Mas isso não importa tanto. São detalhes de
nenhuma importância.
Em 1904, por interferência de Violet, Virgínia começa a escrever
críticas (não assinadas) para o “The Guardian”. Em 1905, Thoby começa as
noites de quinta-feira, no famoso bairro de Bloomsbury, com a presença
de Saxon Sydney-Tuner, Leonard Woolf, Lytton Strachey (irmão do grande
tradutor de Freud, James Strachey), Clive Bell e Desmond MacCarthy. Jack
Pollock, E. M. Forster, Bertrand Russell e John Maynard Keynes também
participavam da “farra” intelectual.
Henry James, amigo do pai de Virginia, não gostou do grupo de
Bloomsbury, que achava de baixo nível. Rebelde, o grupo usava roupas
esdrúxulas e falava palavrão. Vanessa, pintora, mãe de Quentin Bell,
também participava das reuniões e era adepta do “sexo livre”. Ela
própria era chifrada por Clive Bell e chifrava o marido. Nenhum dos
dois, porém, gostava das chifradas. O liberalismo na prática é uma
piada.
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Julia Stephen e Virginia Woolf, aos 2 anos |
As reuniões de Bloomsbury ajudaram imensamente na formação da
“inculta” Virginia. Os participantes eram intelectuais, alguns em
formação e, outros, com alto preparo. Ela absorvia, “antenada” e
“babando”, tudo que eles falavam ou sugeriam. Mas a morte de Thoby, o
irmão e amigo adoradíssimo, bagunça a família Stephen, que nunca fora
muito ajustada. Vanessa, desesperada, se casa com o garanhão come-tudo
Clive Bell. Virginia não gostou do casamento. No início. Ela e Adrian, o
mais moço dos irmãos e o mais atrapalhado, vão morar juntos.
Os amigos e parentes declaram: “Virginia precisa casar”. Queriam
arrumar uma pessoa para cuidar da “incuidável” Virginia. Irritada,
Virginia escreveu à amiga Violet: “Eu queria que todo mundo não me
ficasse repetindo que devo casar. Será uma irrupção da rude natureza
humana? Eu acho repulsivo”. Apesar de sua ira, os amigos e parentes
continuaram insistindo para que ela se casasse.
Entre 1907 e 1908, Virginia começa a
escrever “Melymbrosia”, mais tarde publicado como “The Voyage Out” (este
primeiro romance de Virginia foi editado no Brasil sob o título de “A
Viagem”). Exigente, Virginia queimou sete versões de “The Voyage Out”.
Ela não publicou ficção até os 33 anos.
“Seu laconismo literário era em parte resultado de timidez; ainda
ficava aterrorizada com o mundo, aterrorizada de se expor. Mas unia-se a
isso outra emoção, mais nobre — um alto conceito de seriedade de sua
própria profissão. Para produzir algo que atingisse seus critérios
particulares, era necessário ler vorazmente, escrever e reescrever
continuamente, e, sem dúvida, se não estava escrevendo na hora, agitar
as ideias que expressava em sua mente”, nota Quentin Bell.
No plano afetivo, a vida de Virginia continuava difícil. Lytton
Strachey quis se casar com ela, mas não deu certo. Outro amigo de
Virginia, o competente e célebre economista John Maynard Keynes, embora
tenha se casado com uma bailarina, também era sodomita (palavra bastante
usada por Quentin Bell). Keynes morou na casa de Virginia e Adrian.
Em 1912, Leonard Woolf e Virginia se casam. Leonard se apaixonou por
Virginia. Doce e perdidamente. O casamento foi um grande “negócio” para
Virginia. A união com Leonard aumentou o seu equilíbrio emocional e a
sua segurança como escritora. O curioso é que a família Stephen não
avisou Leonard dos problemas de saúde de Virginia. Tudo indica que a
família procurou esconder que Virginia era “meio louca” com medo que
Leonard desistisse do casamento.
O casamento não agradou Clive Bell.
Clive andou tirando umas casquinhas de Virginia. Mas sossegue: o
vigoroso marido de Vanessa não conseguiu papar Virginia. Só tirou
casquinhas. Virginia, diga-se, gostava do atrevimento de Clive.
Leonard adorava Virginia, sua capacidade intelectual, e não se
preocupava com a frigidez sexual dela. Quentin Bell, um biógrafo às
vezes discreto, sugere que Virginia “considerava o sexo não tanto com
horror, mas com incompreensão; havia em sua personalidade e em sua arte
uma qualidade estranhamente etérea, e, quando as necessidades literárias
a compeliam a considerar o prazer sexual, ela se afastava ou nos
revelava algo tão distante de bolinas e empolgações quanto a chama de
uma vela é distante de seu sebo”.
Virginia conclui “The Voyage Out” e o entrega à editora. Doente,
pensa que a libertação (a cura) está no suicídio. Toma 6,5 gramas de
veronal e quase morre.
Quentin Bell registra que até 1913, data da
tentativa de suicídio, Freud era pouco conhecido na Inglaterra. “Ernest
Jones começou a praticar em Londres em 1913”, informa Quentin. Virginia
não se interessava muito por Freud. Mas Leonard achava que o
conhecimento das ideias de Freud poderia ser útil no seu tratamento.
“The Voyage Out” foi publicado em março de 1915. Os amigos de
Virginia e a crítica gostaram. Edward Morgan Forster (autor de “Passagem
Para a Índia”, mais conhecido no Brasil pelo bom filme de David Lean),
que também era gay renitente, elogiou o livro de Virginia no “Daily
News”: “Eis finalmente um livro que chega ao mesmo patamar de ‘O Morro
dos Ventos Uivantes’, embora por um caminho diferente”. A critica era
esperada ansiosamente por Virginia. Queria ver se seu talento era
confirmado.
“Virginia”, escreve Quentin Bell, “estava sempre imaginando que, para
o mundo exterior, [seus romances] pudessem parecer simplesmente doidos
ou, pior ainda, fossem realmente doidos, seu horror à zombaria rude do
mundo continha o medo mais profundo de que sua arte, e por isso ela
mesma, fosse uma espécie de impostura, um sonho imbecil sem valor para
os outros. Por isso, para ela, uma nota favorável valia mais que o mero
elogio; era uma espécie de certificado de sua sanidade mental”.
“O problema”, continua Quentin, “deve estar presente quando pensamos
em sua extrema sensibilidade à crítica, uma sensibilidade que podemos
considerar mórbida e que realmente, em certo sentido, era mórbida, pois
nascia de um estado enfermiço. Os ataques e açoites da crítica, que
seriam facilmente enfrentados por um organismo mais robusto, no caso
dela podiam reabrir feridas que jamais se tinham curado inteiramente e
que nunca deixariam de ser muitíssimo delicadas”.
Quentin Bell nota que a saúde de Virginia melhorou em 1915 por causa
das criticas favoráveis. Virginia, temendo a crítica, escreveu: “Imagine
acordar e descobrir que se é uma fraude. Esse horror era parte da minha
loucura”.
Em 1917, um tanto ranzinza mas admirada, Virginia escreveu à adorada e
protetora irmã Vanessa: “Tive um breve encontro com Katherine
Mansfield; que me parece um caráter desagradável mas enérgico e
absolutamente inescrupuloso”.
Quentin Bell explica bem: “Elas [Virginia e Mansfield] sempre tendiam
a discordar, mas na verdade nunca discordariam. Unidas pela devoção à
literatura e divididas na sua rivalidade como escritoras, achavam uma à
outra sobremodo atraentes, mas muito irritantes. Ou pelo menos eram
esses os sentimentos de Virginia. Ela admirava Mansfield; também estava
fascinada por aquele lado da vida de Katherine que ficava além da sua
própria capacidade emocional”.
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Talland House, a casa da família |
“Katherine”, revela Quentin, “andara pelo mundo, ficara magoada; dera
vazão a todos os instintos da fêmea, dormira com todo tipo de homens;
tornara-se objeto de admiração — e piedade. Era interessante,
vulnerável, talentosa, encantadora. Mas também se vestia e se portava
como uma prostituta. Penso que Katherine Mansfield retribuía a admiração
de Virginia e também sua animosidade. Virginia com certeza apreciava
bastante o talento de Katherine, a ponto de querer editar um de seus
contos”.
É provável que Virginia tenha lançado um olhar masculino em Katherine
Mansfield. O homem em geral deprecia a mulher inteligente e diferente,
mas também a cobiça sexualmente. Outra coisa: Virginia não gostava de
elogiar escritores vivos. Só deu importância a D.H. Lawrence, o autor de
“Mulheres Apaixonadas”, depois que ele morreu. Os vivos eram seus
concorrentes.
Junto com Leonard Woolf, Virginia foi dona da Hogarth Press, que
editou grandes escritores e poetas, como Katherine Mansfield e T.S.
Eliot, além do psicanalista Freud. Quentin Bell e os outros biógrafos
revelam algo curioso: Virginia escrevia um romance vigoroso (como “As
Ondas”) e, em seguida, um romance mais leve e fácil (como “Os Anos”).
Parece que tal artifício visava tranquilizar os seus nervos e, ao mesmo
tempo, testar novos caminhos para o romance. “O romance peso-pesado é
sucedido por um livro peso-pluma — que ela chamava uma piada”, só que
Quentin Bell não acha que “Noite e Dia” seja uma piada. Não acha o livro
bom. Mas não concorda que seja totalmente ruim.
O manuscrito de “Ulysses”, de James
Joyce, foi oferecido à editora de Virginia, que não pôde ou não quis
publicá-lo. Quentin Bell tenta explicar: “Era uma obra que Virginia não
podia rejeitar nem aceitar. O poder e a sutileza da obra eram evidentes o
bastante para despertar a admiração dela e, sem dúvida, inveja.
Parecia-lhe ter uma espécie de beleza, mas também um brilho rude,
arguto, de sala de fumantes. Joyce usava instrumentos parecidos com os
dela, e isso era doloroso, pois era como se a pena, sua própria pena,
tivesse sido arrancada de suas mãos e alguém rabiscasse com ela a
palavra “foda” no assento de um vaso sanitário”.
Virginia “também sentia”, segundo Quentin, “que Joyce escrevia para
um pequeno grupo, e, quando se refere a ele, escreve ‘essa gente’ — como
se o classificasse tal qual Ezra Pound e não sei que outras figuras do
‘submundo’. A reação dela talvez seja significativa; a rudeza gratuita e
impudente de Joyce fazia-a sentir-se, súbito, desesperadamente ‘uma
dama’. Mesmo assim foi perspicaz o bastante para ver que era algo digno
de ser publicado; era claro, também, que estava absolutamente além da
capacidade técnica da Hogarth Press”. Para mim, era o lado mundano de
Joyce que não agradava Virginia. Ao contrário de Joyce e de Proust, não
sacava muito do lado “sujo” da vida.
O leitor pode ler mais sobre o assunto na admirável biografia de
James Joyce escrita pelo americano Richard Ellmann. “Os Woolfs
disseram-lhe (à emissária de Joyce) que não poderiam imprimir
(‘Ulysses’) porque levaria dois anos na sua impressora manual, embora
dissessem que estavam muito interessados nos quatro primeiros episódios
que leram. Na verdade parecem tê-lo considerado ‘vulgar’, embora
Katherine Mansfield, que deu uma olhada no manuscrito certo dia enquanto
os visitara, tenha começado ridicularizando-o e depois de repente tenha
dito: ‘Mas há qualquer coisa nisso: uma cena que deveria figurar,
suponho, na história da literatura’.”
A história de Virginia Woolf escritora é tão interessante como a de
Virginia Woolf editora. T.S. Eliot foi amigo de Virginia e a Hogarth
Press editou seus primeiros poemas e o mais famoso, “A Terra Estéril”.
Virginia tentou tirar T.S. Eliot do emprego em um banco. Mas não
conseguiu. Mais tarde, ficou irada porque Eliot se tornou editor de uma
casa rival, The Criterion.
Em 1919, Virginia publica “Noite e Dia”. A crítica não gostou. E.M.
Forster (1879-1970) e Katherine Mansfield (1888-1923) odiaram. Mas
Forster, amigo, foi elegante e discreto. Disse que o livro não era
melhor que “The Voyage Out”. (Forster mais tarde ficou chateado com
algumas críticas ferinas de Virginia.) Mansfield foi dura: “Noite e Dia”
era “uma mentira da alma. Falando sobre esnobismo intelectual — o livro
dela fede a isso. (Mas não posso dizê-lo.) É muito longo e cansativo”.
Virginia, que não sabia assimilar criticas, ficou abalada.
Mas Virginia se curava dos petardos da crítica de um modo
extraordinário: no lugar de ficar bloqueada, produzia mais, e melhor. Se
o romance anterior fosse considerado ruim, até pelos amigos que
adorava, como Forster, procurava escrever outro melhor, mais inventivo.
Foi o que ocorreu depois de “Noite e Dia”. Em 1922, publicou pela
Hogarth Press “O Quarto de Jacob”. T.S. Eliot festejou: “Você se
libertou de qualquer compromisso com o romance tradicional e seu talento
original. Parece-me que construiu uma ponte sobre certa lacuna que
existia entre seus outros romances e a prosa experimental de ‘Monday or
tuesday’, conseguindo um sucesso notável”.
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Duckworth group, 1892 |
“O Quarto de Jacob”, para Quentin Bell, marca o inicio de sua
maturidade e fama. Em 1925 Virginia publicou “Mrs. Dalloway”, que
agradou à crítica. Forster elogiou “Mrs. Dolloway”. Thomas Hardy leu
“The Commom Reader” com prazer. Virginia ficou maravilhada.
Entre 1925 e 1928, Virginia lança “Passeio ao Farol” e concebe “As
Ondas”. Nesse período ela conhece Vita, a sua grande paixão. Vita era
lésbica, mas casada, como Virginia. Quentin Bell é discreto e diz pouco
sobre o assunto. Tudo indica que as duas não chegaram a ter um caso no
sentido moderníssimo. Vita escreveu para Virginia: Você gosta mais das
pessoas pelo cérebro do que pelo coração. Fosse hoje, o texto de Vita
teria acréscimo: Você gosta mais das pessoas pelo cérebro do que pelo
coração e pelo corpo.
Na verdade, Virginia era de uma carência extremada e todo mundo que
lhe dava atenção recebia alguma esperança, de sexo ou afeto. Só que,
afeto, tudo bem, sexo, nada. Pelo menos, a se acreditar na versão do
sobrinho.
Quem leu “Orlando” sabe que Vita é Orlando. Para Quentin Bell,
Orlando é o único dos romances de Virginia que se aproxima da emoção
sexual, ou antes, homossexual; pois, enquanto o herói/heroína sofre uma
transformação física, sendo no começo um esplêndido jovem e depois uma
linda dama, a metamorfose psicológica é muito menos completa. O livro
vendeu bem. Mas Orlando, sabia Virginia, não era um grande livro.
Julgamento que os leitores de hoje não partilham, sobretudo por que as
questões sexuais se tornaram mais importantes, na avaliação do romance,
do que as literárias.
Em 1931, Virginia, a mulher que adorava charutos, publica “As Ondas”,
para os críticos, sua obra-prima. Leonard Woolf, que sempre opinava,
criticamente, sobre os livros de Virginia, disse: O livro é uma
obra-prima, a melhor das suas obras. Ela adorou. Leonard era suspeito,
até por que conhecia a fragilidade emocional de Virginia, mas era, ao
mesmo tempo, prudente, justo e rigoroso.
O indefectível E. M. Forster escreveu que encontrara um clássico. A
opinião dele era muito respeitada por Virginia. Um tinha inveja do
outro. Mas, éticos, respeitavam as diferenças entre suas obras. Virginia
gostava de conversar sobre homossexualismo com Forster, que adorava
rapazes.
Virginia não gostava da crítica acadêmica, que achava estéril. Talvez
fosse uma vingança por não ter obtido educação universitária. Talvez
fosse pela percepção de que, como denuncia Gore Vidal, muitos teóricos
da literatura querem substituir a literatura pela teoria literária.
Quentin Bell registra um aspecto curioso: Virginia adorava mexericos,
fofoca, e dizia o que pensava, não importando as consequências. Outra
coisa curiosa: como Joyce e outras, ela aproveitou a história de sua
família e as relações com os amigos nos seus romances. Vida e obra,
estetizadas, estão ligadíssimas e indissociáveis em Virginia. Mas é
óbvio que a escritora não escreve biografias literárias e, claro, tinha
uma imaginação poderosa.
Na década de 30, alguns críticos atacam Virginia, deixando-a
desequilibrada emocionalmente. O mais virulento, Wyndham Lewis, escreve:
Ela é sobremodo insignificante. Ninguém mais a leva a sério. Os
críticos de esquerda não atacavam Virginia. Stephen Spender e Cecil
Day-Lewis (pai de Daniel Day-Lewis, ator de “A Insustentável Leveza do
Ser” e “Meu Pé Esquerdo”) gostavam de sua obra.
Em 1937, Virgínia pública “Os Anos” e sente a loucura chegando.
Leonard achou o livro ruim, mas ficou calado, ou melhor, temendo que
Virginia se matasse, mentiu: Acho que é extraordinariamente bom.
Virginia sabia que o livro era ruim. O economista Keynes gostou do
livro, de forma irrestrita. Em 1939, Virginia foi ver Freud, que estava
exilado em Londres. Ele teria impressionado Virginia como um homem
alerta. Mas torto, encarquilhado muito velho e a velha chama agora
bruxuleante. Freud disse a Virginia e Leonard que seria necessária uma
geração para eliminar aquele veneno [o nazismo de Hitler].
Por causa da Segunda Guerra Mundial, Leonard e Virginia Woolf
chegaram a pensar em suicídio. Obtiveram até uma dose letal de morfina.
Mas, com Londres bombardeada, Virginia deixou de falar em suicídio. Numa
carta a Ethel Smyth, escreveu: … o que tocou e na verdade feriu o meu
coração em Londres [durante os bombardeios dos nazistas] foi aquela
velha mulher, suja de fuligem nos aposentos dos fundos, preparando-se,
depois de um ataque aéreo, para enfrentar o próximo… E também a paixão
da minha vida, a cidade de Londres — ver Londres em escombros, isso
também atingiu meu coração.
No início de 1941, Virginia estava desesperada, louca. Mesmo assim
tentou convencer a médica Octavia Wilberforce, uma amiga, de que não
estava doente mentalmente. Mas confessou partes de seus medos. Medos de
que o passado voltaria, de que nunca mais conseguiria escrever.
É triste e pungente como Quentin Bell fala do fim de sua tia
escritora: “Na manhã de sexta-feira, 28 de março, um dia claro, luminoso
e frio, Virginia foi como de costume ao seu estúdio no jardim. Lá,
escreveu duas cartas, uma para Leonard e outra para Vanessa — as duas
pessoas que mais amava. Nas duas cartas explicava que vinha ouvindo
vozes e acreditava que nunca mais ficaria boa; não podia continuar
estragando a vida de Leonard. Ela colocou o bilhete sobre a lareira da
sala de estar, e cerca de 11h30 esgueirou-se para fora, levando sua
bengala de passeio; e atravessou os prados até o rio. Leonard acreditava
que ela já havia feito uma tentativa para se afogar: assim, teria
aprendido com o fracasso, e estava decidida a não falhar de novo.
Deixando a bengala na margem, ela esforçou-se para pôr uma grande pedra
no bolso do casaco. Depois encaminhou-se para a morte, ‘a única
experiência’, dissera um dia a Vita, ‘que nunca descreverei’”.
Última carta a Leonard Woolf
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Leonard e Virginia Woolf |
Querido, tenho certeza de que estou enlouquecendo de novo. Sinto que
não podemos passar por outra daquelas terríveis fases. E desta vez não
ficarei curada. Começo a ouvir vozes, e não posso me concentrar. Assim,
estou fazendo o que me parece melhor. Você me deu a maior felicidade
possível. Não creio que duas pessoas pudessem ser mais felizes até
chegar esta doença terrível. Não consigo mais lutar. Sei que estou
estragando a sua vida e que sem mim você poderá trabalhar. E você vai,
eu sei. Está vendo, nem consigo mais escrever adequadamente.
Não consigo ler. O que quero dizer é que devo a você toda a
felicidade da minha vida. Você foi absolutamente paciente comigo e
incrivelmente bom. Quero dizer isso — e todo mundo sabe. Se alguém
pudesse me salvar, teria sido você. Perdi tudo, menos a certeza da sua
bondade. Não posso mais continuar estragando sua vida. Não creio que
duas pessoas tenham sido mais felizes do que nós fomos.
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