Modernidade, atraso e barbárie. Por Carlos Alberto Martins


Via Fernando Brito, Tijolaço

Desde o início do século XX, compreender o Brasil, e em particular a relação entre modernidade e atraso, tem sido o desafio de intelectuais, artistas e pensadores.

Inicialmente essa tensão aparecia como um embate entre capitalismo e resquícios de uma sociedade feudal. Chegava-se a afirmar a existência de dois Brasis, um capitalista,u rbano, industrial, cosmopolita, moderno e outro patrimonialista, rural, agrário, arcaico.

Mais tarde o tema assumiu diferentes denominações mas cresceu a convicção de que não se tratava de uma oposição simples mas de um processo em que um polo alimenta o outro: a modernidade gera atraso; a produção de riqueza gera pobreza; o urbano reconfigura o rural; a cidade dos ricos gera a favela.

No final dos anos sessenta o tropicalismo chocou ao afirmar que o Brasil era, ao mesmo tempo, chiclete com banana; formiplac e céu de anil. Essa síntese particular não pretendia apaziguar o embate mas provocar com ironia ferina as certeza de ambos os lados.

Desde 1988 fomos levados a acreditar, num renovado vigor da aposta na modernidade, na universalidade dos direitos elementares dos cidadãos.

Chegamos até mesmo a crer (ao menos alguns de nós) que todo brasileiro pudesse comer três refeições ao dia, que o país pudesse ser soberano e que fosse possível superar ­ou ao menos conter­ o racismo, a violência machista, o preconceito regional.

Esta segunda década do século XXI exige a atualização de todos os esquemas intelectuais. As grandes corporações de tecnologia da comunicação, o capital financeiro, os sindicatos industriais e boa parte do aparato estatal fomentam e apoiam a venda do patrimônio nacional, o sucateamento de nossas empresas competitivas e o abandono da educação e do desenvolvimento científico pelas próximas décadas.

Um secretario nacional lamenta que não haja mais chacinas nas prisões e o prefeito milionário da maior cidade do país se veste de gari para receber o apoio de uma ex­estrela da Globo.

Nem o mais perverso tropicalista redigiria esse roteiro.

Não se trata mais de modernidade ou atraso. No Brasil do século XXI a barbárie está vencendo de goleada qualquer expectativa de civilização.

*Carlos Alberto Ferreira Martins é professor titular do Instituto de Arquitetura e Urbanismo da USP . Publicado originalmente no Jornal Primeira Página, de São Carlos
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