Embora
seja um drama que narra três histórias amorosas, o pano de fundo de
todas elas é didático para os brasileiros da era pós-PEC 55.
Por Léa Maria Aarão Reis, Carta Maior -
O filme do grego Christoforos Papakaliatis
(2015), em cartaz há três semanas, mesmo mal lançado em apenas oito
salas do país, ganhou um título infame em português: Mundos Opostos.
É injusto, mas comercial. Embora seja um melodrama que narra três
histórias amorosas pautadas pela pieguice, o pano de fundo de todas elas
é didático para os brasileiros da era pós-PEC 55 que está se anunciando
para nós.
A
Grécia e a tragédia social e econômica que lá se abateu e perdura há
cerca de dois anos depois do plano de austeridade com submissão forçada
ao capital globalizado imposto pela União Europeia, FMI e Banco Central
Europeu, terra arrasada onde a população amarga o pão amassado pelo(s)
diabo(s), sem dinheiro no bolso para comprá-lo e comê-lo.
Eu sou você amanhã seria um título melhor para o filme grego.
Este filme-mosaico se passa na Grécia atual e é
construído com três histórias em que o tema superficial, de
visibilidade imediata é sempre o mesmo: a relação de amor entre um
estrangeiro e um grego.
A
atração mútua de um refugiado sírio e uma universitária cujo pai
tornou-se um ultra - xenófobo; a tesão de um executivo grego e de uma
sueca por ele que vem administrar as demissões em massa da firma onde o
homem trabalha para tornar mais atraentes as ações da sua empresa, em
Estocolmo, compradora do negócio que o quer ‘’enxuto’’.
O
amor que nasce entre uma dona de casa de meia idade, da classe média,
triste e empobrecida que na condição de precarizada, não possui mais
dinheiro suficiente para comprar os produtos habituais, no supermercado
(tomates-cereja, por exemplo; a sua paixão), e um professor alemão
aposentado que vai viver em Atenas e trabalhar como consultor na
Biblioteca Nacional - um apaixonado pela Mitologia grega e por Eros.
A
primeira história pretende mostrar, mesmo em condições difíceis e
instáveis (a dos gregos), como o apoio e a solidariedade (aos
imigrantes) prevalecem e deságuam no afeto entre os jovens - numa mesma
medida simétrica do ódio e da desconfiança da população de mais idade,
que sofre com o austericídio de estado e rejeitam com violência os que chegam procurando refúgio.
No
segundo movimento, a relação entre a Grécia cujo símbolo é o executivo
de Atenas (interpretado pelo próprio diretor) e os países europeus
nórdicos personificados na CEO sueca, protagonistas e porta vozes do
capitalismo financeiro avançado que, com hipocrisia, quer ajudar a reerguer o país do sul do continente ao preço do sofrimento de todos e de imensos prejuízos sociais.
A
última fábula fecha o filme com tratamento de hiper realidade
felliniana. Trata da relação entre gregos e alemães. É uma metáfora da
simpatia que em determinado momento, em 2014, alguns países demonstraram
pela causa da Grécia que anunciava sua falência, em particular a
Merkel.
O
ator americano oscarizado J. K. Simmons faz o professor alemão vivendo
na despreocupação da sua aposentadoria, o oposto dos idosos gregos
aposentados cujas imagens inundam de vez em quando a mídia ocidental,
catando no lixo das ruas de Atenas restos de comida.
Bem
instalado na sua situação financeira, o intelectual se apaixona pela
dona-de-casa que passa um dia, todas as semanas, sentada no banco da
praça diante do supermercado onde não entra porque não tem recursos. É o
seu único e triste momento de lazer. Já a Grécia é a paixão do alemão.
É
inteligente que os primeiros encontros do casal de meia-idade se passem
na rua, defronte do supermercado em que a grega não tem acesso, e,
pouco a pouco, à força do afeto, vão ocorrendo dentro da loja para onde o
alemão leva a mulher. Ele, detendo o poder de compra e ela sonhando com
as prateleiras tentadoras.
Apesar de comercial, como foi dito, Mundos Opostos
trata de um tema que nunca é exagerado abordar – apesar da sua
pieguice -, neste instante, num país como o Brasil, no qual a mídia
mente, distorce e sonega informações diariamente.
Nos
últimas semanas, diversos cientistas políticos e observadores, como o
ex - Ministro Roberto Amaral, vêm relembrando a penosa situação da
Grécia pós austericídio e relacionando-a com as medidas criminosas da PEC 55, criação e obra do governo que assaltou o poder, em Brasília, este ano.
Detalhe:
é conveniente lembrar que os gregos tinham o segundo maior orçamento
militar entre os membros da OTAN em relação ao seu Produto Interno
Bruto, ficando atrás apenas dos Estados Unidos.
Diz
o ex-ministro e cientista político Roberto Amaral sobre a burguesia
industrial daqui: “ ( ...ela ) dá sinais de inquietação, pois já vê no
final do túnel um Brasil próximo da tragédia grega, afundado na depressão, a outra face de nossa inépcia e da opção neoliberal pela inserção subordinada na globalização.”
Alguns analistas comparam o austericídio à
brasileira com outras duras medidas no mundo - muitas das quais foram
implementadas pelos governos após a crise financeira em 2008.
Descobriram que aqui ele será particularmente grave.
A professora de Economia Laura Carvalho, da Universidade de São Paulo, é uma que ressalta: quando alguns países implementam regras para limitar o crescimento da despesa ao longo do tempo, nenhum deles retira os gastos do crescimento do PIB inteiramente. “ Ou seja, os planos de austeridade não costumam congelar os gastos de hospitais, por exemplo, mesmo quando a economia começa a crescer novamente e gerar mais receita do governo,” ela lembra, e conclui: “O campeão de futebol é agora campeão mundial na austeridade."
Um alto funcionário das Nações Unidas, há dias, advertiu o Brasil sobre como a medida coloca o país em "uma categoria socialmente regressiva" e está em contradição com as suas obrigações de Direitos Humanos.
Na contramão da crítica cinematográfica tradicional conservadora, apesar da fragilidade e mesmo da obviedade do pequeno filme de Papakaliatis, é útil assisti-lo neste grave e penoso momento em que a PEC 55 se abate sobre o Brasil e tornando-o a Grécia de amanhã - ou até pior.
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