A frase acima faz parte de uma reportagem de TV que virou piada na internet há alguns anos. A construção do entrevistado é confusa, mas ajuda a entender como milhões de brasileiros se sentem sobre os rumos da economia: perdidos.
Apesar de o governo Michel Temer e parte dos economistas falarem em uma lenta recuperação, muita gente não vê isso na prática.
Os números também não têm uma direção clara. Depois de apresentar quedas menores nos primeiro e segundo trimestres (0,3% e 0,6%, respectivamente), o PIB (Produto Interno Bruto), principal indicador do crescimento econômico, voltou a cair no terceiro trimestre, registrando queda de 0,8% entre julho e setembro. O dado foi divulgado nesta quarta-feira pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
Por sua vez, os analistas se dividem. Para o professor Pedro Rossi, do Instituto de Economia da Unicamp, o país está andando de lado no fundo do poço" e não tem previsão de melhora. Já a economista Alessandra Ribeiro, da Tendências Consultoria, vê uma possibilidade de retomada em 2017.
Diante de tantas incertezas, a BBC Brasil foi falar com quem, assim como você, vive a crise todos os dias. Entrevistamos três brasileiros que administram negócios na indústria, comércio e serviços para saber como se viraram em tempos de aperto e o que esperam do ano que vem.
Leia abaixo as histórias de Dimitri, Lauro e Carmelina e veja se alguma delas tem a ver com sua.
INDÚSTRIA: "Daqui para frente, vou só encontrar tempo bom"
Um "eterno otimista", o empresário mostra com entusiasmo os setores, explicando mecanismos e sistemas de segurança. No entanto, concorda que a crise foi grande, "a pior desde 1929". Os cortes foram acontecendo aos poucos, à medida que os pedidos diminuíam.
"Foi estranho e tenso. Você não sabia se ia sair ou não. Espero que em 2017 melhore muito."
Se Adriana espera, Dimitri tem certeza. Ao andar pela fábrica, mostra mensagens de clientes no WhatsApp e repete que "crise é oportunidade". Ele fala de uma retomada.
"Hoje a indústria está andando um pouco melhor, a produção voltou a melhorar", diz.
Para o proprietário da Oscar Flues, o governo de Dilma Rousseff gastou mais do que podia, desencadeando uma recessão.
Com a saída da petista, afirma, o orçamento pode ser colocado em ordem, levando confiança aos negócios.
Sorri e arregala os olhos ao dizer que a indústria é "a primeira a perceber a crise, mas também a primeira a sair".
A explicação é confirmada pela economista Alessandra Ribeiro, da Tendências Consultoria.
"A indústria reage antes, porque há um cenário de desvalorização da moeda, tornando-a mais competitiva do que os importados. E também porque começou a demitir muito antes. Hoje demite menos, já fez o grande ajuste."
Ribeiro concorda que a mudança de governo trouxe uma injeção de confiança, mas ressalta que ela vem enfraquecendo, porque não se refletiu em aumento do emprego e do investimento. No entanto, diz, se aprovadas a PEC (Proposta de Emenda Constitucional) para controlar os gastos públicos e a reforma da Previdência, o cenário deve melhorar.
"As medidas do governo são muito importantes para arrumar o ambiente macro."
As boas expectativas levam Dimitri a fazer planos. Para o próximo ano, projeta mais vendas e talvez aumentar o quadro de pessoal.
"Você conhece o caso do (Ernest) Shackleton? Ele ficou três anos preso no gelo e saiu de lá sozinho, com um barquinho à vela. Vai me dizer que o que vivemos é uma crise?"
Ao contar a história do explorador irlandês, o empresário aproveita a analogia marítima: "Daqui para frente, vou só encontrar tempo bom."
COMÉRCIO: "Tenho um otimismo de sobrevivência"
Proprietário de duas lojas no Brás, zona de comércio popular em São Paulo, Lauro teve sua primeira vez demitindo bons funcionários; sua primeira vez perdoando cheques de clientes fiéis e endividados; sua primeira vez consolando um fornecedor que, aos prantos, pedia para manter o contrato.
Responsável pela Luppeper Jeans e Multimarcas Dejelone desde os 18 anos, quando a mãe se afastou da administração, diz que foi difícil dispensar vendedoras que o viram criança.
"Siane", grita em direção ao caixa. "Você me conhece desde o quê? Treze anos?"
Do balcão, Siane acena com a cabeça.
"Ela me via voltando do colégio, de uniforme, para ajudar os meus pais", conta.
"É um desconforto incrível. Parece que estou tirando a comida da boca do filho delas."
2015 foi o ano do baque, diz Lauro. Na comparação com 2014, as vendas caíram 25%. Em 2016, houve estabilidade, mas ele não atribui a calma à mudança de governo, e sim ao frio.
"Esfriou na época certa."
Segundo o empresário, Temer não passa confiança para sua clientela, já que boa parte dela nem o conhece.
"A saída de Dilma trouxe um alívio, porque ela era atrapalhada. Mas podia ter entrado qualquer um, até o (ex-prefeito de São Paulo) Celso Pitta, se estivesse vivo."
Além disso, pondera Lauro, o endividamento continua grande e a confiança começa a recuar. Depois de quatro meses de alta, o Índice Nacional de Expectativa do Consumidor (INEC) caiu em novembro. A retração foi de 1,1% em relação a outubro.
Para o professor da Unicamp Pedro Rossi, é natural que o otimismo não se mantenha só com o anúncio de medidas pelo ministro da Fazenda, Henrique Meirelles.
Outro tema que aumenta os receios de Lauro são as suspeitas de corrupção na equipe do presidente. Ele aponta para a televisão. O jornal do meio-dia transmite uma reportagem sobre a renúncia de Geddel Viera Lima, que poucas horas antes era ministro da Secretaria de Governo. Ele deixou o cargo após o ex-ministro da Cultura Marcelo Calero dizer que sofrer pressão de Geddel para liberar a construção de um edifício.
"A base de apoio de Temer é totalmente vulnerável."
O professor Rossi diz que uma crise institucional pode levar a economia a níveis ainda mais baixos.
Portanto, para 2017 Lauro guarda um "otimismo de sobrevivência". Se ampara no "pior do que está não pode ficar" e espera estabilidade. Nada de aumentar a produção dos jeans de fabricação própria ou de contratações. Ele sabe que o comércio depende de os brasileiros terem o emprego e o salário de volta.
"Estou na ponta da ponta desse processo."
SERVIÇOS: "É o fim dos tempos"
"Se for igual a palavra de Deus, vai ficar cada vez pior. Estamos caminhando para o final dos tempos. Tenho fé que seja melhor, mas está complicado."
De vestido florido e chinelo, cruza as pernas para fazer as contas. Nos bons tempo de 2012 eram 25 inscritos no curso. Hoje são nove.
Durante a conversa com a BBC Brasil, só um homem trabalha na sala principal da escola. O baiano Clerique Carvalho Silva atende um adolescente que quer o cabelo raspadinho do lado e com topete em cima.
O serviço de um aprendiz custa R$ 5 e tem sido muito procurado, diz a cabeleireira. As opções mais caras não têm feito tanto sucesso.
"Cobro R$ 20 para fazer uma escova e o pessoal pergunta se não pode ser mais barato."
A maioria dos inscritos no curso são empregadas domésticas, frentistas, caixas, que querem abrir um negócio e melhorar de vida. A situação de Clerique é parecida. Ele trabalha no estacionamento de um supermercado e percebeu que precisava ter outra habilidade, caso fosse dispensado.
"Com essa crise, a empresa que a gente está nunca é garantida. Tem que garantir o futuro", diz, enquanto maneja a máquina zero.
O setor de serviços, do qual a cabeleireira faz parte, demorou para entrar em desaceleração, mas também é o último a se recuperar da crise, afirma a economista Alessandra Ribeiro, da Tendências Consultoria. Ele cresceu durante os governos petistas, mas agora amarga resultados ruins. Em setembro, o volume do setor caiu 4,9% ante o mesmo mês de 2015, segundo o IBGE. Foi a maior queda para o período desde 2012.
"Essa parte só melhora quando o mercado de trabalho começar a reagir, a renda voltar. Beleza e lazer são os últimos da cadeia."
"Temer? Não conheço essa pessoa. Está tão embaraçado quanto nós."
Com um dos cotovelos apoiados no braço da poltrona, segura o rosto e dá um suspiro. Carmelina se diz desiludida.
"Estou meio perdida. Parece que tudo está desmoronando de uma vez. O Brasil é um país tão rico, com tanto potencial e ver tanta gente na rua…"
Sem expectativas para 2017, pensa até em acabar com o negócio. A última vez que fechou uma escola foi em 1991, durante o mandato de Fernando Collor.
"Agora parece que está bem pior, o feijão custando R$ 20, e não sabemos o que vem pela frente."
Apática, olha fixamente para janela. "O amanhã a Deus pertence."
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