Por Eberth Vêncio, Revista Bula -
Então é isso: a vida acontece. A chuva e o pranto. O parto, a partida, o
desencanto. Jornadas sem resposta. Chaves de pernas. Solidão a dois.
Alta velocidade e a inexplicável falta de tempo para se gozar as coisas
simples. Somos caras, caretas, beijos e muita gostosura. Vaidade é o que
somos. Há a letargia dos que riem de tudo. Há a liturgia da angústia
que ainda viceja em vários, apesar de séculos de história. O que é que
estamos aprendendo para melhorar de vez a condição humana? Contrariando
as previsões em contrário, não estamos sendo felizes para sempre. Ainda
se morre de fome no planeta, apesar dos milagres operados pelo Google.
Crianças treinadas para o ódio brincam com metralhadoras nos quintais da
guerra. Meninas têm os sonhos e os clitóris amputados. Uma lista de
mulheres que merecem ser estupradas corre em segredo nas mãos de homens
brutais. Começam a faltar assentos para fascistas nas bancadas federais.
Uma turba violenta e intolerante toma corpo outra vez. Tá tudo ali, à
prova, à vista, no mapa-múndi, nas redes sociais, nos subúrbios
capitais. Nunca se gastou tanta argamassa, sangue e vergalhão para
garantir intransponíveis as fronteiras das nações ricas. Refugiados
rosnam nos portões da Europa, constrangendo os cães das guardas
nacionais. Ainda são poucos os que se dispõem a migrar para o interior
de si mesmos, pois a verdade quase sempre é chocante. Descartam-se
amigos como quem apara as unhas.
Tem muita self pra pouca paisagem. Vai
ganhar um Pulitzer quem fotografar o mundo livre da maldade. Nem os
poetas têm mais estômago pra isso. Dizem que Deus tá esperando sentado. A
Cruz Vermelha cata ostras brancas e crianças azuis numa praia turca.
Que arco-íris será esse que não guarda riqueza alguma? A água potável do
planeta está secando. É preciso, urgentemente, plantar uma árvore, para
que se garantam livros e filhos. Imaginem só trepar à sombra de uma
árvore com a cabeça repousada sobre a “Divina Comédia”. Não sei se é pra
rir ou pra chorar. Contrariando as previsões em contrário, não estamos
sendo felizes para sempre. Veio a calhar, portanto, a invenção dos
satélites, das sondas espaciais e da fibra óptica. A solidão, enfim, nos
conecta num vazio colossal a que chamamos “ir tocando a vida em
frente”.
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