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O MiG-25 nunca tinha sido visto fora das fronteiras soviéticas antes da fuga de Belenko |
Da BBC -
Na verdade, a aeronave era desconhecida fora das fronteiras da então URSS. O jato pousou na pista do aeroporto local, curta demais para sua potência, e só parou depois de percorrer centenas de metros por sobre a terra. Quando equipes de segurança chegaram perto no avião, o piloto se rendeu.
Ele se identificou como tenente Viktor Ivanovich Belenko. E anunciou que estava desertando.
Deserções eram episódios relativamente comuns na Guerra Fria, mas a diferença neste caso era que, em vez de procurar uma embaixada ocidental ou pedir asilo durante uma viagem ao exterior, o militar soviético, de 29 anos, optou por roubar uma arma secreta das forças armadas de seu país e fazer uma viagem de mais de 600 km.
Capacidade de manobra
Em aviões de combate, isso significa maior capacidade de manobra. E o novo avião parecia ainda contar com motores mais potentes que os anteriormente vistos em modelos soviéticos. Havia dúvidas sobre a capacidade das forças aéreas de americanos e aliados de lidar com esse novo avião.
Mais pistas tinham surgido no Oriente Médio: em março de 1971, autoridades israelenses detectaram um novo tipo de aeronave capaz de voar três vezes mais rápido que a velocidade do som e que subiu a quase 20 mil metros de altitude. A força aérea do país tentou interceptar o avião, mas sequer conseguiu chegar perto dele.
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O "fantasma" do MiG-25 foi suficiente para que americanos não usassem seu SR-71 para voos sobre o território inimigo |
Durante a década de 50, a corrida armamentista nos ares tinha sido equilibrada: os soviéticos, por exemplo, tinham bombardeiros que voavam quase tão rápido e tão alto quando o B-52, o principal modelo americano. Mas o salto tecnológico capaz de fazer uma aeronave aumentar a velocidade de Mach 2 para Mach 3 era extremante desafiador. E os engenheiros soviéticos tinham que fazê-lo para não ficar atrás dos EUA.
O MiG foi projetado para ser feito de aço, material mais pesado e que, por isso, exigiria mais combustível e mais tamanho para compensar peso e os motores necessários para operar em Mach 3. Era mais barato que o titânio, o material usado pelos americanos. Isso explicou também o tamanho das asas: o MiG tinha asas enormes simplesmente porque precisava delas para se manter no ar - e não para ter mais capacidade de manobra em uma eventual batalha com caças americanos.
Propaganda
Tudo isso mudou graças a um piloto soviético desiludido.
Belenko era o que podia se chamar de um cidadão-modelo. Nascido pouco depois do fim da Segunda Guerra Mundial, ele havia feito carreira militar e chegado ao posto de piloto de combate, que valia algumas regalias em comparação com cidadãos comuns do regime comunista soviético.
Mas ele vinha perdendo a fé no sistema e, sobretudo, na ideia de que os EUA era tão diabólicos quanto o regime sugeria.
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Os documentos de Belenko hoje estão expostos no Museu da CIA, em Washington |
"A propaganda soviética retratava a sociedade americana como mimada e falida. Mas eu tinha dúvidas", disse Belenko, em uma entrevista à revista americana Full Context, em 1996.
Ele percebeu que o avião em que treinava poderia ser seu passaporte para a fuga. Na época, estava se divorciando - e estava lotado na base de Chuguyevka, perto da cidade de Vladivostock, no extremo leste da então URSS.
O novo MiG era rápido e podia voar alto, mas seus imensos e sedentos motores não lhe davam muita autonomia - e isso lhe deixava fora do alcance das bases americanas mais próximas. O Japão ficava a apenas 644 km de distância.
No dia 6 de setembro de 1976, Belenko decolou para uma missão de treinamento ao lado de outros MiGs.
Nenhum deles estava armado. Ele já havia calculado uma rota e seu avião tinha o tanque cheio. Após deixar a formação da esquadrilha, tomou o rumo do Japão.
Para escapar dos radares soviéticos e japoneses, precisava voar muito baixo - algo como apenas 30 metros acima do mar. Quando entrou o suficiente em espaço aéreo japonês, Belenko levou avião para uma altitude de 6 mil metros, justamente para anunciar sua presença.
'Fantasma'
Por todo o tempo, o piloto soviético voava apenas com a memória das cartas aéreas que tinha estudado antes de decolar. Sua intenção era descer na base de Chitose, mas tinha pouco combustível. Hakdodate era a pista mais próxima.
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Apesar dos problemas de projeto, o MiG-25 serviu de inspiração para o 'evoluído' MiG-31 |
A principal agência de inteligência dos EUA, a CIA, mal podia acreditar no presente que recebera.
O MiG foi levado para uma base militar próxima e examinado peça por peça. "As autoridades americanas conseguiram entender exatamente o que o avião era capaz de fazer", diz o especialista americano em aviação militar Stephen Trimble.
Ao contrário do que o Pentágono temia, Moscou não tinha construído um "supercaça", mas sim uma aeronave inflexível e construída para uma função bem específica. "O MiG-25 não era uma aeronave de combate muito eficaz. Era cara e pesada", diz Roger Connor, curador de aviação do Museu Smithsonian.
Havia outros problemas: o voo em Mach 3 colocava imensa pressão sobre os motores e engenheiros perceberam que a operação em velocidades acima de 3.200 km/h poderiam, basicamente, desmontar o avião. Os pilotos tinham sido instruídos a não exceder Match 2.8. O MiG detectado pelos israelenses voando a Match 3.2 em 1971 basicamente destruiu seus motores e por muito pouco não caiu.
Ironicamente, o "fantasma" do MiG-25 levou os EUA a embarcar em um ambicioso projeto aéreo, que resultou na criação do F15, um caça destinado a ser rápido e com grande capacidade de manobra - e que segue em operação após quatro décadas.
O avião russo, que tanto preocupara o Ocidente, era um "cão que ladrava, mas não mordia": seu radar era defasado em relação aos modelos americanos e seus motores consumiam tanto combustível que limitavam o alcance da aeronave.
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Em resposta ao MiG-25, americanos desenvolveram o F-15 Eagle, ainda em utilização |
'Sem mordida'
Ficou claro que o MiG não fazia frente ao SR-71, um dos aviões americanos que tinham inspirado sua construção. "O SR-71 era rápido, mas capaz de correr uma maratona. O MiG era um velocista tipo Usain Bolt. Só que esse Bolt era mais lento que o maratonista", ironiza Connor.
As limitações, porém, não impediram que a URSS construísse mais de 1.200 MiG-25. O caça virou uma peça de prestígio na Força Aérea Soviética, que alardeou a posse do então segundo mais rápido avião do mundo. Países como a Argélia e a Síria ainda usam o MiG-25. A Índia os empregou como aeronave de reconhecimento por 25 anos e só os aposentou em 2006, por falta de peças de reposição.
Belenko foi acolhido nos EUA e ganhou cidadania americana em 1980. Ele vive até hoje nos Estados Unidos, trabalhando como consultor de aviação.
Depois do fim do comunismo, visitou a Rússia a negócios. Sua carteira de identidade militar e as anotações feitas durante o voo para o Japão hoje estão expostas no Museu da CIA, em Washginton.
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