Maíra Vasconcelos, GGN -
Reconheço as tantas luzes. Qual pintor
de mim não se afeiçoaria, diria abismado o dono de tantas telas cores e
pincéis. Através das luzes faz-se presente um indivíduo, um indivíduo
inteiramente vivo ereto empinado pelas cores, clarificando os dias como
se fosse banal a existência pertencer ao acaso do indefinível e do bem
de todas as coisas. Finge-se frivolidade diante do forte espírito.
Quando a lassidão atravessa o corpo, e às vezes de longe o espio, mansa.
Na distância vemos tudo o que somos pelos redemoinhos adentro. E não
existe nada mais que nós mesmos e os intermináveis recortes dados pelos
tempos do espelho. E o tempo faz de nós uma moldura melhor, mas se na
sombra temos o descanso, do claro sol sente-se uma fina ponta uma nota
tão aguda de saudade. E descanso, muitas vezes, eu descanso. Porque meus
cansaços são frequentes. Quando as luzes chegam e lambem de
necessidades meus ossos.
É humano e prazeroso gostar de telas
cores e pintores, dispondo-me assim a ver quantos quadros puder,
sentindo que a vida poderia ser calma, apenas. Mas depois tudo vai
embora e eu fico na solidão, e sem cores e tintas e pintores os dias não
se fazem mais pela alegria que se acaricia vívida. A brutalidade das
pessoas comuns interrompe meus olhos tristemente, peço que as cores dos
pintores retornem, mas nada dependerá dos meus limitados humanos
quereres.
As instalações de prazer pintado
colorífico são anárquicas e guerreiras o suficiente para decidirem sobre
mim quando irão repousar. É assim: de repente, sou imensa em vontade
por cores e pintores.
As instalações de prazer pintado colorífico se fazem tão vivas em determinados dias, objetivando minha ignorância e tornando-me maravilhada diante das descobertas de sensibilidade e percepção artísticas.
Quando, enfim, irei cantar melodias da
doce vida?, quando o prosperar pela respiração traga o que a mim deve
pertencer, quando faça da sincera flor viva-morta carregada ao peito os
ares mais francos que me mantêm, quando a morte passar pelos meus dias
sem aquele assombro desesperador, sem que por aquele choque eu seja
tomada, quando a harmonia se simpatize a mim e eu a ela, longe do caos
que algum dia venerei, enfim, assim irei cantar melodias da doce vida.
Será doce viver ao passo de amar acariciar todas as coisas ao redor,
mesmo que o mundo me obrigue a tê-lo como casa, essa casa que sempre
será estranha.
Mesmo querendo me dar constantemente em
segundos efusivos aos tons e dons e belos presságios de quantos sejam os
pintores capazes de afeiçoar acalmar clarificar todos os meus dias,
mesmo que tanto queira, querer-se-á, pois, nada mais que saber pisar
neste mundo, calidamente. E, às vezes, não poderei ao menos olhar o
fundo claro da cor-luz que se faz ávida pela flor que me pertence,
maravilhando-me, flores que sempre me espreitam, mas que devem ser
também dosadas pela facilidade de se darem à morte das coisas. Flores
são alteradas demais. Desprezar as flores, as próprias flores que me
cortejam e correm veias afora, e outras vezes respirá-las doces ácidas
numa atribuição prolongada pelo querer à vida.
Ah, quão triste é desfazer-se da ilusão
de uma dilatada paisagem harmoniosa, funda funda nas cores rasas de um
belo quadro, ou perante a suntuosa delicadeza das pétalas que se
dissolvem pelo ar. E neste estado me dependurar, alma e espírito e corpo
a serenar. Ah, mas nada se pode neste mundinho. Eu respiro, apenas.
Pois não sei, minha ignorância é enorme e
dela dependo, frequentemente, mas diante do irritante e pulsante
não-saber farejo precisamente tal como a um animal, farejo e me excito
pelo descobrimento, e quase sempre acerto isso que me vem em forma de
adivinhação, sendo nada mais que a intuição exatamente bem trabalhada.
Resto-me pela intuição, e de repente, eis que vejo plena a desnudar-se
diante dos meus olhos uma possibilidade apontando para onde irão, e
assim vou. Flores nunca serão uma entrega em vão, aprofundar-me em cores
e pintores, tampouco, qualquer proximidade a um fazer artístico
verdadeiro trará fluidez e leveza necessárias à ação ao ato que no
escuro começa, mas que na escuridão nunca tem seu fim.
0 comentários:
Postar um comentário