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Jumento solto em estrada no RN, ação de captura no Piauí e animais recolhidos para abate na Bahia: problema de segurança viária ainda sem solução definitiva |
O lombo do jumento perdeu espaço no Nordeste para motos e máquinas agrícolas. A frota de duas rodas no Brasil cresceu quase 600% desde 2003: 1,2 milhão para 6,9 milhões de veículos.
Sem utilidade, o bicho foi sendo abandonado. Passou a circular solto em estradas, agravando o problema dos acidentes na região, que concentra 90% dos asininos (que incluem ainda burros e mulas) do Brasil.
Não há estatísticas precisas sobre acidentes com jumentos no Nordeste. Os dados são organizados como "acidentes com animais", mas a Polícia Rodoviária Federal (PRF) assegura que a maioria envolve asininos.
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Símbolo da região, jumento foi sendo abandonado no Nordeste e passou a circular solto em rodovias |
Convênios com prefeituras
No Maranhão, por exemplo, a polícia e a Agência Estadual de Defesa Agropecuária (Aged) celebraram um convênio no ano passado para que o governo abrigasse animais apreendidos.
De lá para cá, porém, a agência ainda não disponibilizou espaços para receber os bichos.
"Ficamos, assim, 'espremidos' entre dois crimes: a prevaricação, por não retirar os animais das rodovias, e maus tratos aos animais, por não ter condição de abrigá-los de forma apropriada", informou, em nota, a PRF no Maranhão.
A agência diz que o convênio não andou por falta de dinheiro e parceiros, e porque falta aprovar uma lei que permita "a expropriação e doação dos animais a terceiros".
"Não dispomos de recursos financeiros para custear exames necessários e obrigatórios à manutenção desses animais em qualquer propriedade ou mesmo à doação", informou.
Recorrendo a 'Jesus'
Numa fazenda de 500 hectares em Apodi, na divisa com o Ceará, Jesus planta melancia, milho e sorgo e há três anos recebe animais abandonados - a fazenda é sede de uma associação de proteção animal.
Ele cuida de cerca de 400 jumentos, sendo 150 fêmeas, e de mais de cem cachorros e gatos. O local chegou a abrigar 1,2 mil jumentos, mas reduziu o acolhimento por causa da seca que atingiu a região e matou centenas de animais.
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Área de criação de jumentos em Carpina (PE) para produção de leite; investidores estrangeiros visam produto para produção de queijo nobre |
"Perdi mais de 700 fêmeas ano passado", disse Jesus, hoje animado com o recente anúncio da instalação, na cidade vizinha de Felipe Guerra, de uma empresa para beneficiamento do leite de jumenta.
O objetivo do negócio é produzir queijo pule, uma iguaria com mercado cativo na Europa e na Ásia, onde o quilo do queijo chega a valer R$ 3 mil.
"Estou planejando comprar maquinário para fazer a ordenha e vender meu leite. Mas o que vou fazer com tantos machos, que sustento sozinho?", questiona ele, para quem os machos deveriam ser abatidos - sem sofrimento - para aproveitar carne e couro.
Bacias leiteiras
A empresa Green Building quer criar uma bacia leiteira na região de Felipe Guerra para fornecimento do insumo. "Queremos mudar o pensamento do nordestino, mostrando a eles o valor dos asininos", declarou a firma em nota.
A empresa diz que irá incentivar a criação dos animais e organizar pontos de coleta do leite, com câmaras de resfriamento.
O governo promete apoiar. "Vamos buscar linhas de financiamento e queremos aproveitar fazendas que tiveram problemas de seca nos últimos cinco anos. Muitas estão vazias, e vamos colocar jumentos soltos nas estradas nelas", disse o secretário de Agricultura, Guilherme Saldanha.
Segundo um estudo de 2015 de pesquisadores da Universidade Federal e do Instituto Federal do Rio Grande do Norte, o leite de jumenta é alimento seguro, similar ao leite humano e com menor teor de gordura.
Churrasco de jumento
A solução ganhou fama em 2014, quando o promotor Silvio Brito, que atuava em Apodi (RN), organizou um churrasco com carne do animal para sensibilizar autoridades e imprensa para a alternativa.
A ideia revoltou alguns defensores dos animais, que chegaram a ameaçar o promotor nas redes sociais.
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Churrasco de jumento organizado em março de 2014 pelo promotor Silvio Brito (no alto à dir., de terno); tentativa de mostrar potencial como alimento gerou reação de ambientalistas |
"O jumento pode fornecer até 100 kg de carne de primeira qualidade, uma peça de couro de alto valor (cerca de R$ 120 a peça) e um leite que pode salvar a vida de milhões de pessoas que sofrem com intolerância à lactose ou deficiência nutricional", diz Brito.
Diretora da ONG Bicho Feliz, que atua no Nordeste, Gislaine Brandão critica o uso de jumentos para consumo da carne, couro ou leite.
"É um animal que vem sofrendo há décadas. Eles devem ser aposentados, livres, sem trabalho. O Estado brasileiro deveria cuidar melhor desses animais", afirma.
Abate controlado
O Ministério Público, contudo, não viu a solução como "adequada e ética" e recomendou a paralisação dos abates, interrompidos em julho.
A Promotoria diz que 978 animais chegaram a ser abatidos em um frigorífico no interior do Estado que não tinha licença para essa atividade - o local acabou multado em R$ 50 mil pelo órgão ambiental estadual.
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Jumentos reunidos para abate em frigorífico em Miguel Calmon (BA); atividade autorizada pelo Estado foi suspensa a pedido do Ministério Público |
Outras alternativas
Como alternativa para conter o número de animais abandonados, cita a introdução dos bichos em parques ecológicos, em projetos turísticos, reintrodução em atividades rurais e até "jegueterapia", em tratamentos para pessoas com problemas locomotores e psicológicos.
"O jumento, por ser muito dócil e de porte pequeno em relação ao cavalo, vem sendo utilizado em muitas clínicas com resultados positivos", diz a comissão em relatório.
Para uma associação que trabalha com jumentos da raça "pêga", mais presente em Minas Gerais e São Paulo (mas com 6,2 mil animais registrados no Nordeste), o custo de criação do jumento é "muito alto para destinar ao consumo humano de sua carne, pele e leite".
Para que a produção do leite se tornasse viável economicamente, diz a associação, seria preciso investir em melhoramento genético, para aumentar o volume produzido.
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Uso de jumento na praia de Genipabu, no Rio Grande do Norte; OAB local sugere emprego do animal em projetos turísticos |
Numa região na fronteira do Rio Grande do Norte com o Ceará, três empresas agrícolas exportadoras de banana usam há quatro anos o jumento como animal de tração.
Em cada empresa, de 25 a 35 animais ajudam no transporte dos cachos da área de produção até a casa de embalagem, por meio de um sistema chamado "cabo-via", em que frutas são enfileiradas no ar, dependuradas em um fio e puxadas pelo animal com a ajuda de um carrinho.
Muito usado na América Central, o sistema é uma exigência de importadores, para que a fruta não tenha contato com o chão.
Numa dessas empresas, a Agrícola Famosa, de Russas (CE), os animais transportam de 30 a 40 cachos por viagem - são seis viagens por dia.
O técnico agrícola da fazenda, Odirley Fernandes, disse que só não tem mais animais por causa da seca, que tem prejudicado a plantação. "Há dois anos eram 400 hectares de banana, hoje temos pouco mais de 200 hectares."
Enquanto nenhuma alternativa decola de vez, o promotor que com um churrasco trouxe o assunto para a vitrine nacional lamenta a situação.
"Acredito firmemente no potencial econômico do jumento. Causa-me frustração o fato de as demais pessoas não verem isso. Todos os estudos e nossa experiência apontam que o jumento é um animal de qualidades extraordinárias", afirma.
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