A atleta somali que morreu cruzando o Mediterrâneo por um sonho olímpico

Samia representou o país nos 200 metros rasos na Olimpíada de 2008


A corredora somali Samia Yusuf Omar não faz parte do primeiro time de refugiados que estreou nesta Olimpíada no Rio. Em 2012, tentou cruzar o Mediterrâneo em um bote de borracha, que naufragou. Determinada, tinha atravessado o deserto rumo à Líbia e tentava chegar à Itália, em busca de um técnico. Seu sonho era continuar treinando e correndo.

Samia participou da Olimpíada de Pequim em 2008, representando seu país nos 200 metros rasos. Com a escalada dos conflitos e o avanço da pobreza na Somália, porém, manter os treinos e mesmo ter o que comer se tornou impossível. Partiu rumo à perigosa e longa jornada para a Europa.


Agora sua história de superação e tragédia virou livro em quadrinhos e ganhou o mundo. "Espero que este livro mostre às pessoas que refugiados não são apenas números", disse à BBC Brasil o ilustrador alemão Reinhard Kleist, autor de Der Traum von Olympia (Um sonho olímpico).

Ele teve a ideia de contar a história de Samia pouco depois da morte da atleta, quando soube da notícia pela imprensa alemã. Estava em Palermo, na Sicília, pesquisando sobre migração.
História da corredora Somali virou um licro em quadrinhos e ganhou o mundo

"Comparado aos meus livros anteriores, com este trabalho eu tive uma conexão emocional muito maior, porque conheci a irmã de Samia, porque ela tinha morrido há menos de um ano. Os outros livros que fiz antes eram mais distantes de mim", contou Kleist.

"Foi uma das histórias mais difíceis em que já trabalhei. Porque era uma jovem somali e eu tive que me colocar no seu lugar, o que foi muito difícil porque ela era quase o oposto de mim. Europeu, branco com 45 anos", acrescentou.

O graphic novel sobre Samia rapidamente se tornou um dos mais vendidos na Alemanha e neste ano foi traduzido do original em alemão para inglês e francês. Antes, Kleist tinha publicado livros sobre o cantor americano Jonhny Cash e o líder cubano Fidel Castro, entre outros.

"O melhor retorno que recebi foi de crianças. Muitas escolas estão usando o livro agora para falar sobre migração. Fui convidado várias vezes para visitar escolas. Como são quadrinhos, as crianças imediatamente gostam. Depois entendem que a história é real, que esta menina era real. Eles ficam fascinados e tocados", disse Kleist.
Kleist é autor de "Um Sonho Olímpico", baseado na história da atleta
Time de refugiados

Para o ilustrador alemão, o tema do refúgio vai continuar sendo um assunto importante no futuro. "Eu gosto muito da ideia de um time de refugiados nas Olimpíadas, acho que é bom porque chama a atenção para o assunto. É uma boa maneira de mostrar que devemos lidar com isso", afirmou Kleist.

Neste ano, as Olimpíadas têm pela primeira vez em sua história um time de refugiados. São 10 atletas originários da Síria, Sudão do Sul, Etiópia e República Democrática do Congo, competindo em diversas modalidades. A iniciativa do COI (Comitê Olímpico Internacional) visa alertar para a crise mundial de deslocados (pessoas obrigadas a deixar suas casas), que neste ano somou mais de 65 milhões de pessoas no mundo.
O conterrâneo de Samia Abdalla Islaw, 36, se recordava vagamente dela. Agora acompanha da Itália os atletas somalis nos Jogos do Rio.

"Só enviamos dois desta vez, a situação é muito difícil agora no meu país. Assisto sempre ao futebol e ao atletismo", disse ele, referindo-se aos corredores somalis Mohamed Daud Mohamed e Maryan Nuh Muse.

Islaw, como Samia, cruzou o Mediterrâneo em um bote de borracha. Junto com sua esposa e uma filha de um ano de idade e outros 24 somalis, entre eles três crianças. Depois de dias no mar desembarcaram em Catânia, na Sicília.
Graphic novel sobre Samia se tornou um dos mais vendidos na Alemanha
"Deus nos salvou. Muitas pessoas morreram no mar, mas viver em Mogadíscio não era mais possível. Todo dia, saía de casa de manhã sem saber se morreria ou voltaria vivo", afirmou, relatando a situação de insegurança extrema no país, atingido por décadas de um conflito armado entre forças do governo e milícias, como o Al Shabab. Islaw aguarda resposta de seu pedido de refúgio, há oito meses.
Já Mohamed Moumin, 32, e outros três amigos somalis que moram em Catânia não sabiam do time de refugiados na Olimpíada. "Não temos televisão e acessamos a internet muito pouco. A luta de todo dia é encontrar comida e trabalho", contou.

Todos também desembarcaram na Sicília depois de atravessar o Mediterrâneo. "Nunca mais entrei no mar depois do medo que passei naquele bote de borracha", afirmou Moumin.
Nadadora Yusra Mardini é integrante do time dos refugiados na Olimpíada
Porta de entrada da Itália, a Sicília tem recebido desembarques diários de migrantes e refugiados nos últimos meses. A maioria é de eritreus, somalis, nigerianos e sudaneses.

Neste ano, cerca de 260 mil migrantes e refugiados entraram na Europa cruzando o Mediterrâneo, segundo a Organização Internacional para a Migração (OIM). Quase metade, 100.244, desembarcaram na Itália. O número de mortos registrados, de janeiro a agosto, foi de 3.176, mas estima-se que o total real seja maior dado casos recorrentes de naufrágios e vítimas não computados.
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