Por Rizzatto Nunes, Empório do Direito -
Em tempos de ofensas verbais (e também
físicas, com tapas e cusparadas), é preciso muito cuidado com o uso das
palavras e das comunicações.
Em termos de sociedade capitalista,
sabe-se que há muito tempo os profissionais de marketing descobriram
que, para vender produtos e serviços, a comunicação com seu público-alvo
poderia ser feita de modo indireto, com subterfúgios, com imagens ao
invés de palavras, com frases que não necessariamente falassem do
produto nem do serviço a ser vendido etc..
Do ponto de vista da mudança na forma de
comunicação, poderíamos dizer, a grosso modo, que antigamente a oferta
apontava para a coisa em si e, com o passar do tempo, foi buscando
metáforas ou símbolos que pudessem agradar e atrair o consumidor para as
compras. Por exemplo, antigamente um anúncio de tevê diria o seguinte a
respeito de uma geladeira: “Nossa geladeira é linda, espaçosa, dura
muito e mantém os produtos fresquinhos”. Mais para a frente, o anúncio
diria: “Se você tiver nossa geladeira em sua cozinha, irá brilhar e ser
especial. Todo mundo admira quem tem uma geladeira como essa”
A comunicação passou, digamos assim, de
uma fase de apresentação concreta do bem a ser vendido para uma fase
psicológica, social e até política da inserção do consumidor na
sociedade. Cada vez mais, o marqueteiro passou a investigar os anseios,
desejos e interesses do consumidor. Não esqueceu, claro, das
necessidades de seu público-alvo, mas passou a chamar atenção de seu
coração, de sua imaginação e também de sua própria imagem construída no
meio social.
Isso de algum modo afetou e afeta a
comunicação feita pelas pessoas entre si e em relação aos fornecedores,
às instituições, ao grupo social a que pertencem etc., e até em relação
às pessoas com quem se digladiam ou de quem discordam. Algumas palavras e
frases têm indicações expressas e outras, são metafóricas, mas
carregadas de sentido (por exemplo, “cdf”, “rolezeiro”, ‘patricinha”,
playboy”, “mauricinho” “coxinha”, mortadela”, “petralha” etc.).
Mas, em todos os casos, quer nos
expressos, quer nos indiretos, há grande chance de confusão e
incompreensão não só de quem recebe a comunicação como também por quem a
faz e dependendo do ambiente pode significar “bullying”, ofensa à honra
etc.
O grande escritor e semiólogo Umberto
eco, recém-falecido, ensina que a vida é paradigma das palavras. A
partir da ideia de que semiose é um processo de produção de
significados, diz ele que “existe uma semiose natural exercida quase que
instintivamente pelos humildes dotados de experiência, para os quais os
vários aspectos da realidade, se interpretados com prudência e
conhecimento dos casos da vida, apresentam-se como sintomas, índices…” e
que existe uma “semiose artificial da linguagem verbal, a qual se
revela insuficiente para dar conta da realidade ou é usada
explicitamente e com malícia para mascará-la, quase sempre com fins de
poder”. [1]
De todo modo, muitos termos, tomados ao
pé da letra de forma descuidada, isto é, sem um estudo mais aprofundado,
podem gerar equívocos importantes ou simplesmente engraçados.
E em tempos de comunicação de massa via
web/redes sociais, a possibilidade de emissão de mensagens (e palavras)
enganadoras ou postadas de forma deliberadamente falsas podem divertir
e/ou causar danos. Veja isto: há cerca de dois anos, a imprensa publicou
e foi bastante replicada a informação de que um Bispo, líder de uma
igreja evangélica, acreditando no poder da língua inglesa – isto é,
vivendo neste ambiente em que o inglês, ao menos aparentemente domina —
fez uma pregação extraordinária para seus seguidores: ele proibiu que os
fiéis de sua Igreja consumissem a maionese da marca Hellmann’s.
Disse o Bispo que, traduzindo o nome da
maionese da língua inglesa para a portuguesa, o resultado seria “homem
do inferno”, já que hell significa inferno e man, homem. Para reforçar seu ponto de vista, ele teria dito aos seguidores: “Você passaria o satanás no seu pão? Colocaria ele na sua salsicha ou comeria ele na sua salada com a sua família?”.
O problema do Bispo é que, como se sabe,
a colocação da apóstrofe após o nome e antes do ésse, significa que
algo pertence ao nome vindo antes. E Helmmann é o nome do criador da
maionese, Richard Helmann, um alemão que a inventou e começou a vendê-la
em 1905[2]. Além disso, como a palavra tem origem alemã, na pior das hipóteses poderia ser traduzida por homem da luz ou gente da luz (hell = claro, iluminado, luminoso e man = gente, alguém), muito ao contrário do que ele pregou.
Depois foi demonstrado que a notícia era falsa: uma brincadeira.
A verdade é que usada de forma direta ou
metafórica, as palavras e as frases podem dizer muito sobre quem as
pronuncia e também podem ser usadas para vender produtos e serviços ou,
ainda, para enganar, manipular, agredir, injuriar, causar danos etc..
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