Eberth Vêncio, Revista Bula
Sou o louco mais domesticado que conheço. E não há quem se sinta mais
decepcionado com isso do que eu. Acredite: um dia, já tive gana e
frescor nos olhos. É uma pena. Não foi apenas um equívoco, mas, uma
crueldade deixar que morresse à mingua a criança que brincava de se
esconder nos labirintos de mim. Quem se importa com tamanha insegurança?
De uma coisa, ao menos, não tenho certeza: é lastimável não levar a
vida que se sonha.
Loucura mesmo é desmentir o dito popular e trazer, sim, a felicidade
sem possuir um puto sequer no bolso. Isso eu chamo simplicidade e
desprendimento. Fica aqui um conselho gratuito aos mais vendidos: para
morrer de velhice e sair bem na foto, é preciso relevar as agruras da
vida. Olha o passarinho. Veja como ele deixa o dia mais leve.
Sobrevoar iniquidades não é fácil. Faz tempo que parei de sonhar que
voava. Deus não dá asa às cobras. Deus não é louco assim. Loucura mesmo
foi ter criado o mundo em seis dias e não se arrepender no sétimo. Ah…
Se arrependimento matasse, eu bebia dele. Juro pelo limite do meu cartão
de crédito.
Você tem razão. Não me leve tão a sério. Estou exagerando. Já que
você, assim como o criador, não me dará asas, também não dê corda para
um aspirante a lunático. Os mentecaptos — não sei se lhe explicaram isso
na escola, na fila da punheta ou na sessão de psicoterapia — podem
arrastar gente para o mundo da lua, de onde só se volta faltando
pedaços, ao amanhecer de outro dia. Sim. Eu sei. A lua está cheia e eu
pareço minguante, meio perdido. Você está inteiramente correto. Adoro
admitir que me desencontro um pouco mais a cada dia. Você ainda não viu
nada, pequeno unicórnio.
Loucura mesmo é perder os descaminhos por andar demasiado tempo sobre
os trilhos. A trilha não compensa. É preciso não temer em demasia o
beijo na lona. Contudo, admito, sou um maria-vai-com-as-outras. E por
falar em efeito manada, em seguir a onda, loucura mesmo é achar a coisa
mais comum do mundo quando o mar quando quebra na praia. As marolas
nunca são iguais.
Espuma e melancolia são coisas muito subjetivas, pois
cada um investe poesia na sua vida da maneira que dá conta. Em tempo: o
ato mais lírico e insano que já cometi foi ter cometido filhos. É um
tipo de amor que não possui métrica. Não consigo rimar nada parecido com
isso.
Loucura mesmo é buscar a fama sabendo que a fome da terra nos espera
com os dentes de anteontem. Há uma pressa incompreendida no
nascer-e-morrer do universo. Ninguém explica isso sem partir para o
fanatismo. Não sei se você concordaria com isso, mas, fanatismo é
reverenciar uma boa hipótese. Se sacasse alguma coisa a respeito dessa
tal Geração Y, eu perguntaria aos universitários, sem titubear: o que é a
vida, chapas? Rio só de imaginar as caras deles.
Pensando bem, se prestarmos muita atenção nos detalhes da nossa longa
existência no planeta, notaremos que loucura mesmo é derrubar hectares e
mais hectares de mata-virgem para asfaltar a relva e plantar espigões
de concreto onde seres humanos se empilham. Há pouca ou nenhuma
humanidade nisso. Não faz tanto sentido quanto afirmam os arquitetos. Me
corrija, se eu estiver certo: sem contar as várias noites insones em
que nauseio sob o lençol, restam poucas coisas mais caóticas pra se ver
do que as cidades de São Paulo, Nova Déli, Pequim e Roma. Rômulo e Remo
acharam plausível, líquido e certo mamar nas tetas de uma loba. Então,
mamaram. Era uma questão de sobrevivência. O que esse adendo mítico tem a
ver com a minha história? A não ser pela sedução do trocadilho, nada.
Não reclame. Eu avisei que estava com a macaca. Você trepou com o meu
texto porque quis. Mesmo assim, não se amofine. Estou aqui, próximo de
um fim, agarrando-me a qualquer fio-da-meada que se me oferecer.
Loucura mesmo é ter coragem de levar a vida na flauta, à margem da
escala-de-dó dos que sofrem por falta de tempo, com sanha por patrimônio
material. Que vida odiosa levam os que buscam um futuro melhor gozando o
presente da pior maneira. Loucura mesmo é contar dinheiro, várias vezes
ao dia, na esperança de que apareça um pouco mais dele. É organizar
carnês por data de vencimento. É fazer ginástica financeira, mas,
enfartar por causa do sedentarismo. Coronárias não aceitam
banha-de-porco, quem dirá, desaforo.
Você foi alfabetizado, amigo? Então, conte nos dedos quantos loucos
deram certo na vida. Todos. Eu digo e repito, com medo de acertar:
todos. Os malucos anônimos e os malucos geniais. Os loucos magníficos,
mesmo sem pleitearem os louros, entram para a história e se tornam
eternos. É comum que dependuremos os seus pôsteres nas paredes, a fim de
admirarmos tanta petulância. É como se falássemos ao espelho: Queria
tanto ter sido como você; doido, lindo, sincero e verdadeiro.
Mas existem demandas demais, compromissos demais, impostos demais,
impostores demais esperando por nós: os homens normais. Esse status tolo
no qual eu e você estamos inseridos faz parte do enfadonho, triste e
conveniente convívio social — não necessariamente nesta ordem. Porque,
quando o assunto é desordem, não entendemos nada. Quem dela se alimenta
são os loucos-de-pedra. Os homens mais livres que já caminharam sobre a
face da terra.
- Blogger Comment
- Facebook Comment
Assinar:
Postar comentários
(
Atom
)
0 comentários:
Postar um comentário