Da depressão ao Olimpo: as cinco fases da Odisséia de Phelps

Michael Phelps desistiu da natação, mas agora voltou e já tem quase o mesmo número de ouros que o Brasil em toda a história das Olimpíadas
Vinte e duas medalhas de ouro em Olimpíadas, mais que o dobro do que qualquer outro atleta já teve na história.



O nadador americano Michael Phelps acumula quase o mesmo que as 24 medalhas que o Brasil ganhou em toda a sua história olímpica.

Seria tentador imaginar a carreira de Phelps como uma ascensão permanente, certo? Mas até chegar à sua "quinta fase", a carreira de Phelps não teve nada de simples.

Seu triunfo nos 200 m medley na noite de quinta-feira pode até parecer um milagre, já que este é um herói que, em certo momento, perdeu tudo e começou a odiar o dom que o define.

As primeiras três fase de sua carreira não davam nenhuma pista do que viria a seguir.


Com apenas 15 anos, Phelps ficou em 5º nos 200m borboleta em Sydney

Na segunda fase ele era "o estranho" - fazia uma dieta de 10 mil calorias por dia, tinha uma envergadura de 2,08 metros, calcanhares hipermóveis, pulmões com o dobro do tamanho do homem adulto médio. Na Olimpíada de Atenas, ele perdeu a "disputa do século" para o rival australiano Ian Thorpe, mas ganhou outros seis ouros.

Olimpíada de 2008, a terceira fase: Phelps era "o superstar"; oito ouros, vários recordes batidos, o mundo aos seus pés. Ele chegou a se definir, olhando para trás, como deslumbrado.

E aí chega a quarta fase, Londres 2012: Phelps, "o cético".

Essa fase começou em 2009, com o escândalo causado pela foto que mostrava o herói fumando maconha. E segue por três meses de suspensão, o abandono de treinos e a perda de foco - um de seus fortes, ele era tão focado nas provas que contava braçadas em cada final para que, caso entrasse água nos seus óculos de natação, ele soubesse a distância até a borda.

"Eu não estava nem aí", disse ele mais tarde, refletindo sobre esse período. "Não queria nada com a água. Nada."

Phelps ainda ganhou seis medalhas em Londres, quatro de ouro. Mas foi derrotado nos 200 m borboleta por Chad le Clos, um fã dele na infância que se tornou seu algoz.

Em Atenas foram seis ouros e dois bronzes
A aposentadoria deveria ter trazido alívio. Ela trouxe noitadas e novos amigos, além de um recomeço com a antiga parceira Nicole. Mas a paz não veio - nem nada para substitutir a angústia que o acompanhava desde a infância.

Então, assim como Thorpe havia feito, ele ensaiou um retorno. E, também como Thorpe, achou difícil reacender a velha chama.

No campeonato nacional americano em 2014, ele não venceu uma única final. Depois, foi parado pela polícia dirigindo acima do limite de velocidade e condenado por dirigir sob efeito de álcool. Foi suspenso da natação por seis meses.

E o Rio? O Rio não poderia estar mais distante a esta altura.

"Ele não tinha ideia do que fazer com o resto da vida dele", disse o técnico Bill Bowman ao jornal americano The New York Times.

"Um dia eu disse: 'Michael, você tem o dinheiro que qualquer pessoa da sua idade gostaria ou precisaria; você tem um grande influência no mundo; você tem tempo livre - e você é a pessoa mais triste que eu conheço."

E aí teve início a quinta fase.

Começou com seis semanas em uma clínica de reabilitação no Arizona. Phelps, que já havia sido o atleta mais famoso do país, ali era apenas outro paciente, fazendo a mesma terapia de grupo, ficando nos mesmos quartos espartanos e forçado a confrontar seu passado como a relação difícil com o pai, que se separou de sua mãe quando Phelps tinha nove anos.

Phelps chegou a ser recebido pelo então presidente Bush após os jogos de Pequim
Assim como Thorpe, ele descobriu que medalhas não trazem felicidade, assim como a natação, coisa que ele fazia melhor do que qualquer um.

Esse era um mal que parecia afligir outros nadadores. Thorpe, por exemplo, acabou revelando que tinha problemas com depressão e álcool e pensamentos de automutilação.

Na clínica de reabilitação de Phelps havia uma pequena piscina, que o atraía instintivamente. Mas a natação não era a raíz de seus problemas? Esse buraco na sua vida não poderia ser preenchido com outra coisa?

"Para mim, o problema é que eu não tinha equilíbrio", diz Leisel Jones, que ganhou nove ouros para a Austrália antes de cair em depressão. "Não tinha mais nada, e isso me apavorava."

Phelps começou a procurar esse equilíbrio. Fez contato com seu pai Fred, com quem não falava desde 2004. Se comprometeu com Nicole. Lia livros de autoajuda e, com o auxílio de Bowman, veio a maior decisão de todas: voltaria a nadar e a buscar uma medalha de ouro.

Com isso, ele voltou a se apaixonar pela natação.

Com a inspiração, voltou também um pouco da antiga velocidade. Seu corpo, que tinha 13% de gordura em Londres, passou a ter apenas 5% no Rio.

Treinando mais do que havia treinado para Pequim oito anos antes, ele chegou ao time olímpico. As pessoas começaram a falar, e então acreditar: será que o homem que havia chegado mais longe que qualquer outro poderia avançar ainda mais?

Bowman continuou com ele e Phelps teve um filho, Boomer, com a agora noiva Nicole.

Mas esse não é o velho Phelps, que tiraria qualquer coisa (e qualquer um) do caminho para não atrapalhar sua concentração.

No Rio, ele fica feliz com distrações. Nicole e Boomer estão assistindo todas as suas competições. Ele ainda nada, claro. Mas, no quinto ato sua vida, há coisas mais importantes para Phelps.

Nicole e o filho de três meses, Boomer, ficam nas arquibancadas no Rio para assistir a cada prova de Phelps
"Nunca achei que ele mudaria", diz Bowman. "Ele escondeu tudo que o tornava humano por 12 anos."

Phelps ainda é tão competitivo quanto sempre foi. Mas, no Rio, se vê um Phelps diferente, com um sorriso largo e a aparência de quem está realmente feliz.

Na quinta fase, Phelps é "o renascido".
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