Lara Brenner, Revista Bula -
Qualquer despedida é difícil. Somos tão apegados a tudo e todos que
criamos rituais para dizer adeus: festas de despedida, funerais para
enterrar nossos queridos, até mesmo festas de aniversário e álbuns de
foto são formas de eternizar os segundos que — sabemos! — escoam por
nossos dedos sem controle nem juízo.
Despedir das pessoas e das coisas é desapegar-se um pouco de si. É
deixar ir embora o que já fez parte de nossa história, mas que, por
alguma razão, não pode mais fazê-lo. Dizer adeus é aprender a conviver
com o que sobrou aqui dentro, reinventar-se para se sentir inteiro
novamente e buscar alicerce no que ficou.
Somos uma sinfonia improvisada e tropeçante, ribombando entre sonoras
melodias e acordes dissonantes. A despedida fica ainda mais difícil
quando se pretende deixar pra trás um movimento a quatro mãos. Olhar
para o parceiro, compreender que acabou e que toda a arte construída por
vocês cumpriu seu ciclo, deu o que tinha que dar, fechou a história e
já não tem epílogo. “The end”.
Terminar um relacionamento é aceitar que o
caminho é curvilíneo e que é possível voltar solfejar em uma só voz,
até que se encontre outro músico que cante mais ou menos no mesmo tom —
ou não.
Dizer adeus a um amor não é sinônimo de fracasso. “Por que vocês não
deram certo?”, perguntam. Ora, mas deram! Deram muito certo! Deram
certíssimo e, como o capítulo final de um bom livro, chegaram ao fim,
reconhecendo humildemente a hora de dizer chega. Sim, porque terminar um
relacionamento que já foi feliz um dia é um grande ato de humildade. É
como um lutador que, reconhecendo seu natural declínio, sabe a hora de
se despedir do ringue, antes de começar a manchar sua vitoriosa história
com teimosia despropositada.
A compreensão da hora do adeus bate simples como um beija-flor. É não
reconhecer no espelho o sorriso das fotos antigas, nem ter o que
conversar numa noite preguiçosa de domingo… É não ansiar mais pelo
abraço do outro ou por suas histórias e desventuras. Ou talvez seja
simplesmente olhar para o parceiro e não sentir mais parceria, fluidez,
ou vontade de dividir a música.
É provável que a tentação da zona de conforto — este endiabrado campo
minado — comece a questionar aquilo que, no fundo, o coração já sabe
responder: “será que é isso mesmo?”, “pode ser só uma fase…”, “talvez
seja coisa da minha cabeça” e por aí vai. A verdade é que somos grandes
resistentes ao fechamento dos ciclos da vida. Por mais que adoremos a
imagem do cavalo livre e solto no campo aberto, somos tentados a pagar,
com o uso de uma cela mais pesada do que podemos carregar, o preço de um
estábulo seguro e protetivo.
Sim, mudar é difícil. Complicado é despedir-se de si mesmo a cada
aniversário e dizer adeus aos hábitos engessados que nos deixam cheios
de certezas tão profundas quanto um pires. É um suplício ter que andar
para frente fechando e abrindo ciclos, enquanto nosso instinto de
segurança nos puxa para um “loop” eterno de mesmices, sem cogitar que o
lugar mais seguro talvez não seja sob um teto mofado, mas, sim, sob o
sol.
Não é preciso drama. Não precisa rancor, briga, mágoa ou culpa. Basta
honestidade — tanto de olhar para si quanto para o outro — e coragem de
perceber que uma chuva de reticências comunica muito menos que um
certeiro ponto final.
- Blogger Comment
- Facebook Comment
Assinar:
Postar comentários
(
Atom
)
0 comentários:
Postar um comentário