O sol permanente


Por Maíra Vasconcelos, GGN -

Jamais estações definidas. Se quando definida cada estação fica tão irrelevante, porque mudo tanto. Ainda, as mudanças de pele. Trocando de quebradura de recorte de temperatura. A obediência a cada palavra transborda pelo corpo. Um corpo feito da palavra que também em mim se cala. Todos os dias. Sim. E já tudo não é mais como anteriormente. Nunca é. E talvez ainda não seja verão, exatamente. Mas baixo esse sol inclemente devo decidir o rumo dessas palavras. A criar essa mulher-animal desnuda frente ao amarelo, aos raios de sol. Se escrevo, se mais uma vez escrevo. Se nessa possível história as estações estão a tempo perdidas e embaralhadas. Jamais definidas. Nessa história a se encontrar, nessa história que novamente se reinicia. Assim, permaneço desnuda, barriga exposta ao amarelo, e todo o corpo sublinhado pela claridade. A claridade sendo um daqueles cansaços, talvez. Quantos cansaços guarda uma vida? E ainda o transitório, o correr ofegante das luzes, se são tantas as luzes, se são tantas as variações trepidantes lumiares. Quando lá fora talvez ainda não seja verão, lá fora, mas pode ser um inverno tão cheio de sol, tão cheio, apenas.

Eis que uma história se dará e então pede aprumo. Amanhã. Assim, me atenho às flores, a essas tantas flores recolhidas em minhas mãos, e ainda outras tantas flores baixo meus pés. Pisando e recolhendo flores. Assim, aprimoro essa mulher-animal que atiça uma narrativa. Qual? Existirá uma narrativa pelo desenvolvimento constante da palavra?, talvez da palavra irresolvida, da palavra errada que se quer. Esse desvio constante como asas de um pássaro deslizado. Pelo erro que se faz existir. Sempre. Pisando e recolhendo flores, tantas flores. Ah.

Também irei colher centelhas amarelas, vindas ainda não se sabe de onde. Amanhã. Centelhas amarelas. E cada um saberá da sua inevitável exposição ao sol, essa constante e incômoda exposição aos raios. E se vier a secura pelo tempo ao sol? É horrível estar no tempo da sequidão! Exclamação. Se ficar a seco é perder a paixão, e sem paixão como se faz para ter a vida?, alguma vida possível, apenas. Então, às vezes, amo cada palavra, apenas, cada palavra. Apesar e apesar de todos os desvarios. E porque talvez nisso encontre um querer profundo, o querer de quase se enlouquecer, quase. Em cada palavra, apenas.
Também podem existir aqueles que estão atrás e adiante de mim. Aqueles que também pisam flores, talvez. Porque o mundo, esse mundinho, é composto por todos os que não nos deixam a sós. Nunca a sós. Vejam, alguém sempre irromperá por aquela porta. Essa porta tão besta tão boba. Porque o mundo está tão habitado! Exclamação. Ainda que exista uma mulher-animal exposta ao sol, desnuda diante do mundo, e que verdadeiramente nunca saiu deste quarto ao tentar escrever parágrafos tão alongados. Assim, mansa nessa cadeira, escrevo esta mulher-animal que se quer incluir e nunca mais parar de falar, e sempre falar como se pudesse estar junto-a-todos. Com essa voz. Nunca mais parar de falar na indefinição das estações. Jamais em estações definidas. Vou.

 Fingindo não saber que a união-com-o-outro está perdida, que essa união é uma esperança exatamente misericordiosa. Ah. Uma esperança exatamente misericordiosa. E pedir por misericórdia é um estado quase deplorável. Então, jamais a misericórdia, se existe a pujança da alma, dessa alma gorda, repito, gorda. Mas alguma esperança é necessária para se espreguiçar ao sol, alguma esperança para talvez estar ao sol junto-ao-outro. Amanhã.
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