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Irmãos de fé |
Este post está sendo republicado.
O leitor Dênis Eduardo Serio deixou um depoimento no post sobre o silêncio dos evangélicos diante dos pastores pilantras.
Dênis teve uma experiência inesquecível na igreja onde Malafaia começou
e viu o ovo da serpente. Chegou a contar as moedas do dízimo. “Nos bons
domingos, o valor chegava a R$ 10 mil”, diz.
Seu testemunho:
Eu era um pivete, não sabia nada da vida (e sigo sabendo
pouco), nunca nem tinha beijado na boca, mas já conhecia esse indivíduo
que hoje praticamente todos vocês conhecem. É isso aí: já sentei à mesa
com Silas Malafaia.
O que me motivou a contar essa história foi ver cada vez
mais gente ligada a ele, e que eu conheci, aparecendo na televisão
falando asneiras sem tamanho.
Seres que um dia para mim foram dignos de
algum tipo de respeito, embora um respeito bem adolescente, mas que hoje
só me causam ojeriza e pena. Como um “insider”, creio que posso ajudar a
desvendar o perfil desse senhor para os colegas e amigos que hoje ficam
passados com o que ouvem e veem dele.
Eu nasci em um lar evangélico e frequentei uma igreja
pequena, de bairro, até mais os menos os meus 10 anos. Por volta de
1992, meu pai decidiu que precisávamos nos aprofundar nos estudos
bíblicos e nos levou para uma congregação maior, a Assembleia de Deus do
Bom Retiro.
Ela ainda é uma igreja-irmã da instituição presidida pelo
pastor Silas Malafaia. Jabes de Alencar, pastor do Bom Retiro, é até
hoje um dos principais aliados de Malafaia, se não o maior.
Com o passar do tempo no Bom Retiro, eu e minha irmã fizemos
amizade com alguns membros da família Alencar, tão vasta que poderia
encher uma ilha do Pacífico tranquilamente só de descendentes, com
perigo de ter que entrar em guerra com o atol vizinho por mais terra
habitável. Aliás, Malafaia, que chama beneficiário do Bolsa Família de
vagabundo e engorda o coro desinformado de que eles têm filho para
ganhar uma merreca por mês, poderia discorrer sobre o tamanho da família
de Jabes, que tinha dois dígitos de irmãos ou perto disso. Seria
interessante.
Malafaia sempre esteve sediado no Rio de Janeiro, mas não
era difícil vê-lo nos cultos na Rua Afonso Pena. Na igreja do Bom
Retiro, ele era representado por Samuel Malafaia, irmão de Silas e atual
deputado estadual no Rio. Com Samuel, meu pai fez amizade por dois
motivos: eles lecionavam na Escola Bíblia Dominical (sim, eu tive aula
com ele) e morávamos relativamente perto. Samuel vivia na Rua Zacarias
de Góes, a mesma em que Suzane von Richthofen assassinou os pais, e nós
morávamos a uns 3 minutos de carro. Minha irmã tinha certa proximidade
das filhas de Samuel Malafaia: lembro-me de pelo menos uma delas
dançando na festa de debutante da mana em 1995.
Com o tempo, meu pai cresceu na hierarquia da igreja e
passou a ser parte do corpo pastoral. Eu, como pivete inocente que era,
tinha autorização para entrar com ele na sala onde o dízimo e as ofertas
eram contados. Minha incumbência era calcular o montante das moedas.
Para azar dos líderes, inocência não dá amnésia, então me lembro
claramente que, nos bons domingos, o valor chegava a R$ 10 mil. Isso em
1994. Corrigindo-se monetariamente, chegamos ao montante aproximado de
R$ 46 mil por domingo. Já naquela época havia cultos durante vários dias
por semana. Não tenho condições de dizer se o valor atual é sequer
próximo desse. Pode ser menos. Pode ser muito mais.
Vale um disclaimer: é mito que nas igrejas de classe média
as pessoas são manipuladas facilmente por pastores. Isso acontece muito
em outras denominações com foco em baixa renda (aliás, é muito curioso
igreja ter foco de renda), mas nessas mais abastadas a maioria do povo
oferta e dizima com o desejo genuíno de ajudar o Evangelho a ser levado a
mais pessoas, embora aí sim caiba uma reflexão: qual tipo de Evangelho?
Na maioria das vezes um que causa repulsa em mim.
Também é mito, claro, que todo líder rouba dinheiro.
Atualmente, frequento uma igreja onde a democracia é exemplar. Pastor
não é dono do microfone e as decisões econômicas são tomadas em
assembleia. Não se investe dinheiro em nada de importância sem que as
pessoas que contribuem sejam consultadas e aprovem o investimento por
maioria absoluta. As entradas e as saídas são expostas em telão e todos
têm 100% de acesso às contas.
Voltando. A certa proximidade entre as famílias levou Jabes a
jantar com Samuel algumas vezes em casa. E, em um desses encontros, lá
estava Silas Malafaia sentado à mesa com este que vos escreve. Não me
lembro da situação, mas minha mãe afirma que foi em um encontro de
pastores em São Paulo. Por motivos que até hoje desconheço em detalhes,
meu pai rompeu com os líderes da igreja e saiu.
Silas sempre foi um orador magnífico. Mas mesmo defendendo
algumas bandeiras de hoje já naquele tempo, lembro-me de um personagem
muito diferente desse que está aí na mídia. A fala eloquente estava
sempre acompanhada de certa paciência e bom humor. Talvez fosse o
espesso bigode que abafava o som e dava um ar romântico-démodé ao seu
discurso, mas arrisco que não. Com a autoridade de quem viu e vê,
sinto-me à vontade para dizer que há algo de muito errado com esse cara.
O ambiente no Bom Retiro era carregado, pesado. O fardo não
era leve como, presume-se, deveria ser em uma igreja. Intrigas eram
constantes. Era uma pessoa tentando passar a perna na outra em busca de
cargo e reconhecimento. Parecia até o Congresso Nacional, talvez daí a
afinidade deles com alguns certos deputados que temos. Nunca foi um
ambiente de paz. Nos acampamentos de juventude, havia brigas (físicas e
verbais), pertences eram furtados, pessoas eram ridicularizadas. Nunca
vi igreja com tão alto grau de deserção e infidelidade ministerial.
Outro personagem que conheci e que agora está metido no que
há de pior na política nacional é Gilberto Nascimento Junior, conhecido
como Gilbertinho. Lembrei-me muito dele no ano passado, quando Geraldo
Alckmin o nomeou para a pasta que cuida dos direitos humanos no Estado,
em troca de apoio político.
Membro do partido de Marco Feliciano, ele tem tanta
capacidade para cuidar de direitos humanos quanto eu para programar
foguetes. Dias atrás, eu comia uma pizza na mesma mesa em que me
assentei à roda dos escarnecedores com Silas quando o vi na televisão,
no programa do PSC, ao lado do pai. Nem me dei ao trabalho de prestar
atenção no que falava, pois já sabia de antemão que dali não sairia nada
de aproveitável.

Semanas antes, o mesmo PSC levou ao ar a sua propaganda
eleitoral gratuita (para quem não sabe, de gratuita ela não tem nada.
Nós é que pagamos com nossos impostos). Nesse programa, o presidente do
partido, veja só, elogiou a ditadura militar, disse sem pudor que ela
nos salvou de sermos fuzilados por comunistas alucinados. É isso: um
cristão exaltando um regime que torturou e matou centenas ou até
milhares. É a igreja evangélica se afundando em um obscurantismo sem
igual. Somos brothers da bancada da bala no Congresso. Ao mesmo tempo, o
papa Francisco lucidamente fala o seguinte: dizer-se cristão e fabricar
armas configura uma contradição. Não por acaso, a porta de saída das
igrejas evangélicas começa a ficar maior que a de entrada.
Uma coisa posso garantir: nunca os direitos humanos, a
igualdade social, racial ou qualquer outro tipo de pauta desse tipo
esteve em discussão na igreja de Silas e Jabes. Não me lembro de uma só
aula ou pregação que falasse das relações de Jesus com os pobres, que
exaltasse o seu lado caridoso, assistencialista e humano. Era mais o
Jesus-balada, que fazia um milagre atrás do outro e arrastava multidões.
Um superstar. Um Neymar sem topete, sem gravidez indesejada e sem
expulsão contra a Colômbia.
Eu estava na igreja do Bom Retiro quando Gilberto
Nascimento, o pai, atual presidente estadual do PSC, lançou-se candidato
a deputado estadual e foi eleito em tabelinha com Carlos Apolinário,
que virou federal. Foi uma campanha que usou o púlpito para elegê-los.
Não tenho nada contra pastor ter opinião política, apesar de achar que o
título de pastor deveria ser retirado quando ele apoia alguém. “Silas
Malafaia vota em Aécio” é muito mais justo do que “Pastor Silas Malafaia
vota em Aécio”. O título pastoral, em tese, é uma vocação divina para
servir a Deus, não eleger quem quer que seja. Aliás, todo esse povo
engrossou o palanque de Aécio Neves no ano passado.
Púlpito nunca deveria ser usado para defender A ou B. Muito
menos programa de televisão bancado por fiel. Se eles querem apoiar, que
o façam por meio de seus perfis nas redes sociais, e não com o dinheiro
que foi doado para pregar o cristianismo.
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