Desisti: orgulho de ser brasileiro virou vergonha
Por Ricardo Kotscho, Balaio do Kotscho -
"Não podemos desistir do Brasil" (última frase de Eduardo Campos, candidato a presidente da República em 2014, em entrevista ao Jornal Nacional, na
véspera da queda do avião em que morreria no dia seguinte).
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Sou o primeiro brasileiro de uma família de imigrantes europeus que vieram para cá após a Segunda Guerra Mundial.
Nasci poucos dias depois da chegada dos meus pais ao porto de Santos com minha mãe passando mal nas últimas semanas de gravidez.
Ela já tinha perdido três filhos natimortos, tão fraca estava depois de anos passando fome e fugindo dos bombardeios.
Sou um filho da guerra, um sobrevivente. Passei pela minha primeira cirurgia com oito meses de idade.
O resto da família se espalhou por outros países e só fui descobrir alguns parentes muitos anos depois, até recentemente.
Embora tenha nascido aqui, só fui aprender a falar português, com sotaque, na escola primária, porque em casa se falava alemão, a língua de minha avó materna.
Apesar das dificuldades iniciais de quem só veio com a roupa do corpo, meus pais rapidamente se apaixonaram pelo Brasil. Para eles, era o paraíso.
Meu pai logo se naturalizaria brasileiro e carregava sempre na carteira a certidão assinada por Getúlio Vargas.
Pouco tempo depois, minha mãe também obteve a nacionalidade brasileira, já assinada por Café Filho, o vice que assumiu o governo quando Getúlio se matou.
Éramos a partir de então, por decisão de meus pais, uma família de brasileiros, mas ali já dava para ter uma ideia da vida instável que nos esperava.
Desde muito moço, ao contrário dos meus amigos nativos, sempre preferi viajar dentro do Brasil do que para outros países, e decidi virar repórter para conhecer melhor o lugar onde nasci.
Na década de 70, quando fui parar na Alemanha como correspondente do Jornal do Brasil, tive a exata dimensão da paixão pela minha terra.
Morria de saudades de tudo, passava mais tempo escrevendo e lendo cartas do que fazendo reportagens.
Pedi para voltar bem antes do combinado com Dorrit Harazim, a chefe dos correspondentes internacionais do jornal, uma das grandes mestres do ofício que tive na minha vida.
Tudo isso passou pela minha cabeça na quarta-feira quando terminei de assistir ao julgamento do STF que devolveu Renan Calheiros à presidência do Senado (ver post anterior).
Anotei tudo e deixei sobre a minha mesa para escrever hoje, mas desisti.
Não tenho mais nada a dizer depois do que aconteceu esta semana.
Deixei as anotações de lado para escrever sobre meu sentimento nesta hora de profunda vergonha com tudo o que está acontecendo no país que meus pais escolheram para viver.
Pela primeira vez, eu que sempre fui muito grato pela decisão que tomaram quase 70 anos atrás, fiquei em dúvida.
Será que não teria sido melhor para minhas filhas e meus netos que eles tivessem ancorado em qualquer outro porto?
Ao contrário de Eduardo Campos, um jovem político pernambucano de quem fui muito amigo e teria meu voto para presidente, eu desisti do Brasil.
Meu orgulho de ser brasileiro virou uma profunda vergonha.
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