Brasil promulgou o programa de austeridade mais duro no mundo


Por Zeeshan Aleem, No Vox

Os americanos que temem que Donald Trump tente destruir programas de assistência social do país podem sentir algum conforto triste olhando para o sul: não importa o que os republicanos façam, serão insignificantes em comparação com as mudanças que estão prestes a assolar o Brasil.

Na quinta-feira, uma nova emenda constitucional entra em vigor no Brasil que congela eficazmente os gastos do governo federal para duas décadas. Uma vez que o limite de gastos só pode aumentar a taxa de inflação do ano anterior, o que significa que os gastos com programas governamentais, como a educação, cuidados de saúde, pensões, infra-estrutura, e defesa, em termos reais, permanecerá em pausa em 2016 níveis até o ano 2037.

A tampa não aumenta se a economia cresce, nem para acomodar o crescimento populacional, ou para permitir mais fundos para cuidar de envelhecimento da população do Brasil. Paulo Zahluth Bastos, professor de economia da Universidade de Campinas, estima que os gastos com educação por criança vai cair em quase um terço e os de saúde, quase 10 por cento por pessoa.

A medida, introduzida pelo presidente do Brasil, Michel Temer, inclui uma cláusula que diz que o ajuste pode ser revisto em 10 anos. Se o governo quiser fazer isso, será necessária a maioria de três quintos no Congresso, igual o que foi necessário para passar o projeto - um obstáculo alto que o sistema partidário fragmentado do Brasil raramente é capaz de superar.

Um certo número de analistas compara a mudança brasileira com outras duras medidas de austeridade em todo o mundo - muitas das quais foram implementadas pelos governos após a crise financeira em 2008 - e descobriu que ela parece ser singular em termos de gravidade.

Laura Carvalho, professora de economia na Universidade de São Paulo, contou-me que quando alguns países implementam regras para limitar o crescimento da despesa ao longo do tempo, nenhum deles retira os gastos do crescimento do PIB inteiramente. Ou seja, os planos de austeridade não costumam congelar os gastos de hospitais, por exemplo, mesmo quando a economia começa a crescer novamente e gerar mais receita do governo.

Ela disse que é também excepcional um conjunto de regras virar emenda constitucional e durar 20 anos - normalmente uma injeção de austeridade é implementada através de metas fiscais ou leis aprovadas pelos órgãos legislativos e projetada para durar alguns anos, conforme o país resiste à tempestade econômica. Essa é uma avaliação que ecoa de observações de um alto funcionário das Nações Unidas que advertiu ao Brasil sobre como a medida coloca o país em "uma categoria socialmente regressiva" e está em contradição com as suas obrigações de Direitos Humanos.

Como Carvalho diz: "Ele costumava ser campeão de futebol. Mas o Brasil é agora um campeão do mundo na austeridade."

O Brasil em queda livre

Quando Temer se tornou presidente interino do Brasil em maio, ele herdou a pior recessão que o país tem visto em mais de um século. Desde o início de seu período turbulento no escritório, ele só viu a economia definhar ainda mais a cada dia. Agora ele está administrando a terapia de choque.

O Brasil está em um estado de caos institucional total no momento. Sua recessão contundente, que começou em 2014, coincidiu com - e, em parte, foi impulsionada por - crises políticas que trouxeram a fé dos brasileiros na liderança política do país para patamares mínimos.

Antes presidente do país, Dilma Rousseff foi cassada em agosto por supostamente fazer contabilidade criativa no orçamento para disfarçar o tamanho do déficit em anos passados. Mas seu impeachment foi uma operação altamente politizada, e o apoio para a sua remoção do cargo foi impulsionado em grande parte por um escândalo de corrupção colossal que canalizou recursos da gigante petrolífera estatal brasileira Petrobras para os três partidos do governo que formavam a base de coalizão.

O novo presidente, de centro-direita, Temer, agora está lutando com seus próprios escândalos de corrupção durante a tentativa de impulsionar a economia. Prender políticos é uma ocorrência diária no Brasil no momento.

Assim, o limite de gastos que Temer empurrada é um lance para, entre outras coisas, para demonstrar a disciplina que parece ter sido totalmente ausente no governo do Brasil. A lógica é que o excesso de intervenção do governo e os gastos são culpa por grande parte do déficit orçamental e da fraqueza da economia. Defensores de austeridade dizem que esta medida destina-se a congelar os gastos em uma tentativa de restabelecer o governo responsável e restaurar negócios, além da confiança dos investidores.

Na fase que antecede o da emenda, o governo de Temer colocou anúncios em jornais nacionais que dizia: "Vamos tirar Brasil fora do vermelho e voltar a crescer" (vermelho sendo um trocadilho porque joga fora a cor do partido de Dilma).

Tanto quanto inspirar a fé dos investidores, a medida de austeridade parece estar funcionando. Moeda e as ações do Brasil aumentaram no mês de dezembro, em parte por causa da aprovação de parte do ajuste fiscal.

O Brasil está colocando o peso da crise sobre os pobres

O problema com o limite de gastos é que o governo joga o ónus inteiramente sobre os beneficiários dos investimentos públicos - todos os brasileiros, mas especialmente os pobres e os vulneráveis.

Muitos no Brasil estão furiosos sobre o limite de gastos. Protestos ferozes foram surgindo em várias cidades do país, e confrontos violentos com a polícia são comuns. De acordo com uma pesquisa publicada no jornal Folha de S.Paulo, esta semana, 60% dos brasileiros são contra a PEC do Teto. Crítica foi mais forte entre os de baixa renda e jovens brasileiros; os ricos tendem a apoiá-lo.

Embora a PEC traga uma grande quantidade de limites às despesas do governo, ela não faz nada para resolver o problema dos impostos.

"A principal causa da nossa crise fiscal é a queda de receitas", diz Carvalho, observando que a populista Rousseff, conhecida por seu apoio aos programas do governo, reduziu os impostos para o setor empresarial durante sua gestão nos últimos anos, numa tentativa de evitar a perda de apoio público.

Carvalho diz que o corte de gastos vem à custa de discutir "tributar os muito ricos, que não pagam muito em impostos, ou eliminar os benefícios fiscais que foram dados a grandes corporações."

O incentivo fiscal no Brasil é extraordinariamente generoso para as corporações e os ricos, e ajuda a reforçar o seu estatuto como um dos países mais desiguais do mundo. A maior taxa de imposto de renda no Brasil é de apenas 27,5% - para comparação, as taxas de imposto nos EUA chegam a cerca de 40%, e na Escandinávia podem exceder 60%.

Mas o código de incentivo fiscal do Brasil é especialmente regressivo por causa de falhas, como a isenção de impostos pessoais a pessoas protegidas por ter uma empresa sob certas condições de investimento e lucro. (...) O resultado é que a maior parte da renda dos muito ricos no Brasil não está sujeita ao imposto de renda pessoal.

Carvalho estima que, se acabassem com benefícios fiscais para empresas e com o imposto pessoal que os ricos exploram, o déficit fiscal projetado para o próximo ano seria reduzido pela metade."

Não serão as empresas e os ricos a sentirem a dor, no entanto. Como é frequentemente o caso, serão os pobres.
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