Por Carmela Negrete, no Periódico Diagonal, de Madrid
(Tradução de Ricardo Cavalcanti-Schiel)
O que seria da web se, ao abrirmos nossa conta do Facebook ou Twitter, aparecessem corpos esquartejados, pornografia infantil, estupros e outras atrocidades? Quem é que torna possível que as grandes plataformas apareçam tão limpas? Essas perguntas não surgiram do nada: elas haviam chegado a Riesewieck com um artigo da pesquisadora norte-americana Sara T. Roberts, que está escrevendo um livro a respeito. Nesse artigo, Roberts explicava como esse tipo de serviço subcontratado está se concentrando nas Filipinas.
O grupo Laokoon decidiu então aproveitar a oportunidade de uma bolsa para pesquisar tal problemática no terreno. O que encontraram durante o mês em que passaram em Manila os deixou assombrados. De repente, um grupo de atores revelaria para o grande público alemão como se constituiu, nesse país asiático, uma nova indústria emergente (Roberts estima em 100.000 postos de trabalho a nível global a dimensão dessa indústria), que se dedica a fazer da Internet um mundo agradável, navegável.
Riesewieck entrevistou trabalhadores dessas empresas, e lembra que “foi extremamente difícil, porque todos assinam um contrato de confidencialidade que os proíbe de falar sobre o seu trabalho até mesmo com sua própria família”. Daí que boa parte do tempo acabou sendo gasto simplesmente em ganhar a confiança dessa gente. “Não queriam falar, por medo de perder o emprego”, lembra.
Os pesquisadores descobriram a miséria de um trabalho em aparência limpo e bem remunerado para o nível salarial do país: entre dois e seis dólares a hora, para apagar cerca de 3.000 imagens por dia, conforme explica o diretor.
As jornadas de dez horas não são especialmente longas, em comparação com as condições médias de outros filipinos. No entanto, durante todo esse tempo, o trabalhador é exposto a cenas de sexo explícito, violência e perversidade. Os problemas psicológicos desses trabalhadores são enormes: trauma, depressão, impotência “e até síndrome pós-traumático similar ao dos soldados que participam de um conflito armado”, conforme Riesewieck, citando a psicóloga Patricia Laperal.
Também o trabalho em si, ou seja, a classificação entre imagens “aceitáveis” e as que devem ser apagadas daria um longo debate. Em um documento a que o diretor de teatro teve acesso, uma das empresas detalha esses critérios, explicando que “cabeças ensanguentadas podem passar, desde que não sejam vistas partes do cérebro”. No entanto, especificava também a ordem para apagar imagens dos “seios de mulheres amamentando”.
Visibilizando a exploração
“Não é fácil visibilizar esse tipo de fenômeno do mundo digital, já que não é possível esconder uma câmera e gravar o conteúdo do que essas pessoas têm que suportar”, explica Riesewieck. “Estão convencidos, no entanto, de que têm um bom trabalho, que, comparado com a miséria que os rodeia, parece muito melhor trabalhar em um escritório, ganhando acima da média”, explica o diretor de teatro. “O certo é que se trata de um tipo de exploração menos visível, porque suas consequências são 'apenas' psicológicas”.
Para o artista, a escolha do país não é de forma alguma casual. “O pathos filipino é profundamente cristão”. O cristianismo radical faz parte da cultura, de maneira que “a tarefa de limpar a rede se converte em uma missão divina”, explica. O cristianismo é a religião dominante, “um legado da colonização espanhola”, lembra Riesewieck. O fanatismo religioso pode ser sentido em toda parte, desde a popular marca Team Jesus até os espetáculos religiosos nos quais os homens se chicoteiam até sangrar ou se deixam crucificar.
A partir da pesquisa, os atores estão preparando uma obra a ser apresentada no Theater Dortmund, na cidade homônima, em 2017. Com a expectativa que despertou seu trabalho, mostrado por quase todos os meios de comunicação alemães, os lugares já estão lotados.
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