Por Andre Araujo, GGN -
A política não é ciência e nem técnica, é
a arte da organização do poder. Não se confunde com moral, ética ou
religião. Quando essas categorias se misturam com política o resultado é
geralmente desastroso. Pede-se à política apenas eficiência nos fins. O
melhor político é aquele que melhor organiza o poder, com maiores
benefícios e menores custos à população.
Nessa análise de custos e benefícios, a
moral ou a ausência dela é um fator e não um valor absoluto. Mais vale
um político sem moral que traga benefícios do que um político ético
e incompetente. A ética não tem valoração na política, a eficiência nos
fins é o balanço final, aí entendido fins como benefícios aos
governados.
A História, grande mestra, registra os
grandes políticos que praticamente sem exceção são indivíduos moralmente
contraditórios, complexos, duvidosos, aventureiros ou até canalhas.
Para ficar apenas na Era Contemporânea, Napoleão tinha
imensos pecados que seus contemporâneos registraram em toda sua extensão
e profundidade, mas seu legado foi de tal magnitude que o personagem se
mitificou pelos seus feitos.
Seu ministro e contemporâneo Talleyrand
era a personificação do mau caráter, corrupto, viciado, sem escrúpulo
algum, mas foi ele quem garantiu à França sair como vitoriosa depois de
uma gigantesca derrota militar, ao invés de ser terra vencida e ocupada a
França sai do Congresso de Viena com um dos poderes da Europa
reorganizada e assim chegou à Conferência de Versalles, 104 anos
depois.
A arte da política é uma elevação de
princípios frente à luta ancestral pelo poder. Nas espécies animais o
chefe do bando conquista seu poder matando os rivais. Na história antiga
o poder será geralmente consolidado pelo assassinato dos vencidos. A
arte da política visou dar uma certa ordem e civilidade na conquista do
poder, diminuir os danos da luta, a política é nada mais do que isso,
não vai além disso mesmo na democracia, que é a luta pelo poder com
regras mais elevadas, mas ainda muito longe da perfeição dos princípios
éticos.
Lloyd George, o primeiro ministro
britânico mais poderoso antes de Churchill, liderou a Inglaterra na
Grande Guerra, conviveu toda a vida com acusações de baixa moral, em
1922 foi acusado de vender títulos de cavaleiro e nobreza, também foi
acusado de especular com ações da companhia Marconi Wireless antes de
dar a ela um grande contrato com o Governo. Admirava Hitler mesmo quando
Churchill já alertava a Inglaterra contra o ditador alemão. Lloyd
George era um sujeito muito controvertido, advogado esperto daqueles
que não se compra um carro usado, mas suas realizações foram tantas que é
considerado da mesma estatura política de Churchill, se este ganhou a
Segunda Guerra, Lloyd George ganhou a Primeira, tanto um como outro
foram maus Ministros da Fazenda mas grandes estadistas do Império.
Churchill, um dos maiores políticos do
Século XX, teve uma longa vida de mais de 90 anos permeada de altos e
baixos, aventuras, comportamentos condenáveis em todos os campos, da
bebida às manobras para obter dinheiro, Churchill não tinha uma fonte de
renda definida quando estava fora do poder, era um cavador de "ajudas"
financeiras de amigos e interessados nos seus serviços junto ao poder.
Era um gênio político, mas não tinha convicções rígidas em nada. Foi até
1935 admirador de Mussolini, não achava ruim o fascismo e considerava
Gandhi um faquir desprezível.
Sua ausência de escrúpulos morais ficou
clara em uma de suas 300 biografias. "The Private Life of Winston
Churchill", de John Pearson, editora Simon & Schuster, mostra os
imensos rolos da vida complicada de Churchill, como quando em 1957
aceitou convite para um cruzeiro no Mediterrâneo no iate "Cristina" de
Aristóteles Onassis, cuja ficha pessoal era então pesadíssima.
Confrontado pela imprensa, por que aceitou o convite de um finório como
Onassis, respondeu "Mas ele me dá o melhor champagne e o melhor caviar e
isso me basta".
Nos EUA Lyndon Johnson ostenta uma
biografia que faria corar corrupto brasileiro. Operou a vida toda para a
grande empreiteira Brown & Root (hoje HBR), que lhe pagava as
campanhas e o deixou milionário. A Brown & Root tinha praticamente o
monopólio de construção de bases militares americanas, a mistura entre
Johnson e a B & R era tal que não se sabia onde acabava um e
começava a outra. A trama dessas transações pode ser lida na enorme
biografia de Lyndon Johnson por Robert Caro, lembrando que Johnson era
do Texas, um Estado notoriamente corrupto até as entranhas.
Mas Lyndon Johnson foi um dos maiores
presidentes americanos. Sob sua presidência avançaram enormemente as
leis anti-racismo e as leis que incorporaram os negros ao mainstream da
sociedade americana. Cafajeste e desbocado, Johnson recebia deputados
sentado na privada, falava por palavrões, o mais politicamente incorreto
presidente americano do Século XX.
Em nossa terra Adhemar de Barros teve
fama de político pouco honesto mas deixou um solido legado de obras e
realizações, já com fama de ladrão foi eleito novamente para Prefeito e
Governador, a despeito de diária campanha de desmoralização pela
imprensa paulista, especialmente do ESTADÃO que sequer citava seu nome
(era o sr. A.de Barros).
Qual o cálculo da população? Era a
relação custo-benefício "rouba mas faz", é melhor ele que um inútil
honesto. Esse cálculo continua até hoje em grande parte da população.
Seu antípoda Jânio Quadros tampouco era
santo, seu lema fosse a vassoura simbolizando a limpeza, tinha outro
estilo, muito diferente de Adhemar, ficou rico nos governos com outra
modalidade de operar com dinheiro na política. Seu método era arrecadar
pessoalmente para campanha, não gastava nada e ficava com a arrecadação.
Legou considerável fortuna para a única filha, simbolizada em uma
sólida conta no Citibank de Genebra e mais de 60 imóveis.
O grande perigo na política são os que
carregam a bandeira do moralismo, os politicamente corretos. Porque na
política essa bandeira costuma ser apenas uma capa para ambições de
poder. Sob essas bandeiras tornam-se inquisidores e ditadores, ditam
regras a todos, a luta contra a corrupção tudo justifica, quem é contra
sua cruzada é porque é a favor da corrupção.
Da mesma forma que o senador McCarthy
rezava que quem era contra ele é porque era comunista. Aqueles que se
agigantam carregando o galardão das cruzadas moralistas, se constituem
em grandes riscos na política, porque operam com valores absolutos
enquanto a política é o campo das relatividades, a política exige um
eterno balanço entre e ruim e o menos ruim porque o bom puro é um
objetivo quimérico dada a natureza falha dos homens e mais ainda dos
homens no poder.
Os grandes homens da política em todos
os tempos são personalidades cheias de defeitos, inclusive de caráter,
sempre foi assim através dos séculos. A busca do poder é uma luta
terrível e nesse campo de batalha o lutador não é guiado por valores da
vida beata. Os homens bons e de maior pureza de alma serão encontrados
nos conventos, nas obras a favor da caridade e da bondade, na elevação
do espírito dos profetas e santos, mas nunca na política, através dos
tempos um campo pedregoso onde abundam os pecados da ambição, da
vaidade, da volúpia do poder, assim foi desde a inicio da História dos
homens.
A questão da corrupção de máquina e não
de pessoas foi algumas poucas vezes historicamente objeto de cruzadas
direcionadas, foi o caso "Tammany Hall" a poderosa confraria que
dominava a política municipal e estadual de Nova York, basicamente
operada por aventureiros de origem irlandesa, extraordinariamente
corrupta, enfrentada pelo prefeito Fiorello La Guardia no governo
Roosevelt, depois de dominar Nova York por 80 anos, de 1854 a 1934.
A máquina Huey Long na Luisiana, também
demolida na mesma época. Subsiste, todavia, a máquina da família Dailey
que domina a política de Chicago há mais de 70 anos e foi decisiva para a
eleição de Kennedy e de Obama e lá continua até hoje na tradição das
oligarquias que em nada ficam a dever ao nosso coronelismo clássico da
enxada e voto.
Não há boas almas na política, a não ser
os falsos, os fariseus, esses são muito piores do que os malandros que
pelo menos costumam ser simpáticos. Os santarrões são o grande perigo,
atrás da água benta vem o veneno da intolerância, da vingança e da
violência sob a capa da justiça, as bandeiras dos pios que trazem atrás
de si as fogueiras armadas da inquisição.
A despeito da sua malignidade
intrínseca, a corrupção está longe de ser o mal maior da política. A
incompetência e o excesso de burocracia podem causar muito mais
prejuízos que a corrupção em si. Esta jamais será completamente
eliminada. mas pode ser controlada sem que, todavia, o custo do controle
supere o valor da corrupção. Não há sentido em se gerar custos de 1.000
para controlar uma corrupção de 10. No limite, o excesso de controle se
transforma em um custo burocrático altíssimo, muitas vezes superior ao
risco da corrupção.
Há também outra corrupção além daquela
da propina, a corrupção indireta do nepotismo, do empreguismo, do
funcionário que recebe salário sem trabalhar ou, a corrupção gigantesca
dos supersalários, daqueles que valem 10 no mercado e ganham 50 no
serviço público, a corrupção das aposentadorias infladas e precoces,
todas essas esquecidas nas cruzadas anti-corrupção movidas por alguns
que estão apenas interessados em desmanchar propinas.
A disjuntiva nas cruzadas anti-corrupção
são a relação custo-bneficio, tal qual em cruzadas sobre outros tipos
de desvios, como cruzadas contra as drogas. A partir de um certo ponto
as cruzadas se tornam contra-producentes. No caso da corrupção, o
excesso de risco de punição fará com que os agentes públicos, por humana
prudência, deixam de aprovar projetos virtuosos por meio de que
poderiam ser visto como pro-empresas e para se proteger travam as
aprovações.
Os bem pensantes dirão, mas se não há
problema na aprovação porque dificulta-la? E aí é que está o risco, o
funcionário não tem segurança de que o que faz seja visto como legítimo,
em um clima de caça às bruxas ele se julga inseguro e na dúvida passa a
dificultar ao máximo a vida das empresas. O fiscal autua mesmo em casos
onde não cabe autuação, o comprador da estatal adia as compras.
Todo processo de controle tem custo e
esse custo não é neutro, no limite o País pode parar completamente no
meio de uma campanha de terror cívico-ético-moralista. Melhor do que
cruzadas são sistems de controle institucional como por exemplo a
instalação de uma Controladoria em cada Ministério, empresa estatal e
institutos e fundações, ligadas a uma Controladoria Central e não ao
Ministro da pasta.
Esse sistema capilar construído em cima
de uma teia de mecanismos de controle teria muito maior eficiência do
que prender e punir ao infinito, atos que cuidam da vingança do passado e
não da visão do futuro.
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