Edival Lourenço, Revista Bula -
Quem diz que domina o coração é porque não tem coração ou tem um
coração frouxo, que bate bielas e pistões. Coração digno do nome é bicho
indomável, solto, acelerado, com caprichos vontade própria, sem freio e
sem volante. Que sai às doidas, às cegas, esbarrando em tudo e em todos
pela vida. Quem nuca se deixou levar como o coração de Paulinho da
Viola em sua música? O coração se lança ao rio bravo, na correnteza mais
revolta, sem saber uma braçada de nado e se deixa levar. Ou é assim ou
não é coração.
Quem nunca praticou uma loucura arrastado pelo coração não sabe o que
é viver intensa e perigosamente. E se você é o tipo de pessoa que
lamenta ou mesmo se gaba de levar uma vida contida, os sentimentos sob
controle, de trazer seu coração a rédeas curtas, que nunca deixa que
suas pulsões sentimentais sobrepujam as ideias cerebrinas, espere só pra
ver. Mais dias menos dias, a voz do coração que vem das profundezas do
ser, feito uma força estranha que provoca terremotos e grita mais alto e
sem que você se esforce será capaz de encenar os atos mais insanos para
defender os territórios das paixões que você julgava que não tinha. Ou
que mesmo que tivesse você seria capaz de dominar.
A loucura encetada pela paixão, em princípio, nada tem a ver com a
loucura mental, causada por traumas, neuras, psicoses e outros
desarranjos psicológicos. É claro que na pessoa mentalmente
desequilibrada, quando bate a onda da paixão, os danos podem ser
realmente devastadores, levando o indivíduo a praticar atos que
descambam para o delito, para o crime e à barbárie. Nas pessoas
mentalmente sadias, a loucura da paixão não deixa de ser loucura, mas
ela se dará num nível aceito e até louvado pela sociedade. Como despejar
um helicóptero de flores sobre a casa a mulher pretendida, ou voar 40
horas de avião para ver, ainda que à distância, os olhos da paixão
secreta.
Essa paixão, inclusive, é muito valorizada pela publicidade, pelo
mercado. Ocorre que uma pessoa apaixonada sempre está disposta a gastar
uns dólares a mais, sobretudo com coisas supérfluas ou com alto valor
agregado que em estado de inércia volitiva jamais gastaria.
Se você, movido pela paixão, praticou atos de loucura na juventude,
nada lhe garante que na maturidade venha estar livre desses impulsos.
Mas é possível que suas reservas de apaixonites agudas estejam qualquer
tanto esvaziadas e você possa levar uma vida mais apaziguada e serena.
Mas se você levou uma vida insípida na juventude, com um coração sem
arrojar suas paixões, cuidado. Agora na madureza ou mesmo na terceira
idade, as paixões que você abafou ou que não se manifestaram na
juventude podem vir agora potencializadas pelo represamento ao longo da
vida e furiosamente estourar suas represas familiares nos momentos mais
inesperados. E paixão é como tudo na vida: fora da hora e do lugar, os
danos são maiores. O empresário Antônio Ermírio de Moraes (1928 – 2014),
disse certa vez, numa entrevista, que rezava todo dia para que Deus não
deixasse ele se tornar um “velho assanhado”.
Não se esqueça nunca, a paixão é um atributo, não exclusivo, mas
genuinamente humano. A paixão é uma coisa ridícula. No entanto, mais
ridículo do que a paixão é passar pela vida sem se apaixonar.
- Blogger Comment
- Facebook Comment
Assinar:
Postar comentários
(
Atom
)
0 comentários:
Postar um comentário