Lara Brenner, Revista Bula
Você chega em casa (as costas doendo, a cabeça pesada) e abre uma
cerveja para relaxar. Liga a TV e, enquanto os jornalistas proferem
discursos realistas e chocantes, você navega em suas redes sociais.
Gatinhos fofos, pratos de comida, check-in em qualquer lugar, sorriso,
sorriso, abraço, declaração de amor, sorriso, uma pessoa irritada com a
política, alguém divulgando um evento, sorriso, festa, bebida, corpos
seminus, sorriso. As redes sociais são o universo mais loucamente
paralelo que há.
Basta reparar o pessoal no trabalho, cinema ou em qualquer outro
lugar. Uma voltinha no quarteirão já é suficiente para perceber que o
semblante das pessoas reais não é o daquelas fotos. A matemática humana
fica ainda mais surreal quando se tenta equacionar a mesma pessoa que
distribui amor e felicidade nas versões “vida na rede” X “vida real”. A
conta geralmente não “bate”.
A internet é um veículo baratinho para se brincar de ator. Atua-se na
vida que se gostaria de ter, nos relacionamentos idealizados, nas
amizades eternas e plenamente sinérgicas. Atua-se no dinheiro sobrando,
nas festas e viagens absurdamente divertidas, nas crises de riso
intermináveis, nos corpos prontos para ser espontaneamente clicados.
Assim, como quem nem viu a foto sendo feita.
É estranho procurar entender o que motiva alguém a derramar essa
suposta felicidade no mundo virtual. É provável que, em grande parte dos
casos, a carência por curtidas e comentários espelhe aquela afetiva e
dolorosa, uma autoestima arranhada, ou uma profunda necessidade de
aceitação. Talvez, como tantas blogueiras e pessoas públicas que fazem
da falsa perfeição uma curiosa profissão, sejam internautas
publicitários de si mesmos, vendendo por um preço exorbitante produtos
de qualidade duvidosa e negociando quem fechará a bolsa de valores
invertidos mais em alta.
Dia desses, num restaurante divertido e com boa comida, observei um
casal muito conhecido publicamente sentar-se à mesa ao lado. Os dois não
trocaram uma única palavra, salvo para escolher a comida — sobre a
qual, aliás, discordaram — enquanto postavam fotos, respondiam a
comentários e tiravam “selfies” de seus rostos bonitos em ângulos
diversos. Tomei o cuidado de bisbilhotá-los depois para ver o que haviam
postado. Era como se a noite tivesse sido esplendorosa, de papos
alegres e maravilhosas histórias compartilhadas. Caramba, eles não
tinham trocado uma só palavra. Os casais mais infelizes e complicados
que conheço são os que mais se autoafirmam, entre longas declarações e
fotos “100% espontâneas”, o amor infinito que devotam entre si.
Por outro lado, se a pessoa realmente for muito feliz e apenas quiser
dividir tanto esplendor com o resto do mundo, será mesmo que faz
sentido colocar-se à frente dos holofotes? Honestamente, quantos por
cento das pessoas observam alguém MUITO feliz em uma foto e lhe desejam
boas energias e vida longa? Mesmo que inconscientemente, é natural e
humano — infelizmente — invejar o próximo quando imagina que sua própria
condição não esteja à altura da de seus semelhantes.
É evidente que tudo isso são elucubrações e você pode estar
revoltado. Posso estar errada, posso não estar falando de todos, não sou
dona da verdade. Mas procure se lembrar de que o homem é apequenado em
sua natureza, humanoide e pouco elevado em seu espírito. Despidos de
nosso escudo de polidez e elevação moral, talvez comecemos a pensar que,
por trás da vida que tanto exibimos no mundo virtual, existe um mundo
de vida aqui dentro que precisa de cuidado real.
- Blogger Comment
- Facebook Comment
Assinar:
Postar comentários
(
Atom
)


0 comentários:
Postar um comentário