Eberth Vêncio, Revista Bula -
Um feliz natal aos que mais precisam de felicidade. Aos ribeirinhos
cujos sonhos enferrujaram na lama de um rio que se chamava doce: ninguém
jamais fisgará o maior peixe do mundo, sem ter sido velho, sem ter sido
mar. Aos que fazem das suas vidas amargas uma das maiores tragédias de
todos os tempos.
Aos que sentem claustrofobia nos templos. Aos refugiados de guerra
que marcham com desespero e fé rumo aos presépios da Europa. Às crianças
que, mesmo sem saber nadar, morreram na praia. Aos paparazzi da miséria
humana: eu lhes daria prêmios Pulitzer, se ainda tivesse um coração.
Aos cães de raça que amam donos desclassificados. Em memória dos
passarinhos que quase matei com os estilingues da infância. Aos que voam
só em pensar. Aos que se ocupam em resgatar a memória cultural de um
povo, ao invés dos pontos acumulados nos cartões de crédito. Aos que me
deram crédito quando eu parecia descontrolado.
Aos velhos que esperam visitas que nunca chegam. Aos que enterraram
um filho. Aos que dão bom dia a estranhos. Aos que creem na política em
prol de outrem. Aos trens que nunca me atropelam, pois vivo a vagar fora
dos trilhos.
Aos que moram nas ruas. Aos que acordam em calçadas sem fama nenhuma.
Aos que não têm como fugir de casa, pois são jovens demais. Aos que
mataram dentro do coração os pais tiranos: eu apoio os seus
esquecimentos.
Aos sequestrados. Aos frustrados. Aos que estão presos injustamente.
Aos que estão sendo torturados, enquanto fatiamos o panettone à mesa.
Aos que choram, mas a mãe não escuta. Às prostitutas, sejam elas de vida
fácil ou difícil. Aos que planejam saltar de um edifício na virada do
ano. Aos falidos. Aos que quebraram a cara. Aos que quebraram uma
empresa porque ousaram voar. Aos cadeirantes. Aos amantes que foram
pegos em flagrante.
Aos que ainda se comovem ao recolher tantos corpos nos escombros. Aos
ombros em que chorei. Aos que socam os olhos da iniquidade com os
punhos da poesia. Aos que travam uma guerra interior para lidar
minimamente com o mundo exterior. Aos que não acreditam em mais em nada,
quem dirá, Papai Noel. Aos que brindam com fel: a minha solidariedade.
- Blogger Comment
- Facebook Comment
Assinar:
Postar comentários
(
Atom
)
0 comentários:
Postar um comentário